domingo, 11 de setembro de 2016

The Hateful Eight (Quentin Tarantino, 2015)

A estreia de um novo filme de Quentin Tarantino é sempre um evento, tão próprio é o seu estilo e tão idiossincrática é a sua personalidade. Ainda assim, desta vez ele decidiu levar a expressão a outro nível, reavivar o formato Ultra Panavision 70, que usa a maior bitola cinematográfica de todas e estava desaparecido desde Khartoum (Basil Dearden, 1966), obrigar à substituição dos projetores digitais de salas um pouco por todo o mundo por projetores de película e criar um espetáculo itinerante à antiga para anunciar o seu regresso.

Este circo parece-me particularmente adequado para The Hateful Eight, que representa a “experiência Tarantino” no seu estado mais extremo. Apenas o díptico Kill Bill ultrapassa os 167 minutos deste western. Os capítulos e flashbacks não faltam. Na banda-sonora, consuma o seu fetiche de ter material original do mítico Ennio Morricone. Estão de volta Michael Madsen, Tim Roth ou Kurt Russell, a juntar a outros regulares. O seu truque de abrandar o ritmo com frente a frente intermináveis e juntar protagonistas num espaço reduzido nos clímax para efeito dramático é aqui esticado a uma história inteira.

Corre a ideia de que os filmes deste realizador estão repletos de ação frenética, o que está longe da verdade. A extravagância não tem limites na construção das personagens, nos diálogos sem filtros, na violência explícita ou nos movimentos de câmara, o que dá azo a muito frenesim. No entanto, para compreender o seu funcionamento há que notar como Pulp Fiction culmina num monólogo transcendente à mesa de um diner ou como os heróis de Django Unchained são expostos num jantar de meia hora à luz das velas. As melhores cenas são lentas, compridas, tensas e reveladoras.

The Hateful Eight é isso quase do início ao fim. Marquis Warren (Samuel L. Jackson) crava boleia a John Ruth (Kurt Russell) no meio de uma tempestade até um alojamento conhecido na zona. São ambos caçadores de recompensas, o primeiro acredita na lei da bala, o segundo entrega os criminosos vivos à justiça. Precisamente por isso, transporta consigo Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh, a interpretação mais marcante, com a cara coberta de sangue e os olhos cheios de loucura), que deverá ser enforcada numa cidade ali perto. Eles e outros seis viajantes vão ter de esperar que a neve pare de cair à volta da mesma lareira.

Claro que cada um tem o seu motivo para ali estar e um passado com ramificações até aquele momento. As surpresas precipitam as trocas de tiros, até porque é a mais apurada coleção de misantropos de Tarantino alguma vez vista, o que claramente o divertiu durante o processo de escrita. Ruth espanca a mulher que carrega sem receio de ser apelidado de misógino. No seu masoquismo, Daisy lambe as feridas que lhe abrem na cara. Marquis mente a torto e a direito. O resto do pessoal é racista, tanto contra os pretos como contra os mexicanos (incluindo uma afro-americana que não deixa gringos entrar no seu estabelecimento).

Todos esses rótulos foram usados erradamente ao longo dos anos pelos críticos para descrever o autor em questão, por isso desta vez vira o bico ao prego e ninguém no filme tem quaisquer qualidades redentoras. Claro que não é o seu melhor trabalho, mas se todos conseguissem sambar na cara das invejosas com esta destreza e esta criatividade, o mundo seria um lugar melhor. The Hateful Eight é um espetáculo que só podia vir da cabeça de uma pessoa à face do planeta, um western na neve mais impiedoso que Day Of The Outlaw (André De Toth, 1959) que se assemelha a um whodunnit mais exaustivo do que Reservoir Dogs.

8/10

2 comentários:

  1. Ótimo texto. Eu sou do grupo que aprecia qualquer “experiência Tarantino”. Ele é ousado e original. Uma mente inquietante e saudosista em respeito ao cinema. "Os Oito Odiados" é um suspense dos bons, daqueles que me deixam entorpecidos diante a tela. E, sim, lembra muito "Cães de Aluguel". Pra mim, é um western adormecido que hiberna naquele inferno branco.
    Também escrevi sobre o filme
    https://cinemarodrigo.blogspot.com.br/search/label/Quentin%20Tarantino


    Abraço

    Rodrigo

    ResponderEliminar