sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Revolutionary Road (Sam Mendes, 2008)

Pode dizer-se que, a cada novo filme que faz, Sam Mendes confirma o seu estatuto como um dos mais louvados autores americanos da atualidade, adquirido logo com o seu primeiro trabalho. Não uso a palavra autor levianamente – com Revolutionary Road, Mendes recalca temas que eram já transversais aos três filmes que fez anteriormente, por mais díspares que fossem os géneros em que os abordou, todos marcados por compromissos assumidos em nome de um coletivo e pela ansiedade e a frustração de nem sempre se conseguir fazer o que se quer ou de não se encontrar o devido apoio naqueles que nos rodeiam. Revolutionary Road é um regresso aos subúrbios americanos, mas não se pense que é uma regressão até American Beauty. Este é um filme mais maduro, que não se deixa levar por sarcasmos desenxabidos. Começa com um casal nos primeiros momentos de união e antevêem-se desafios, ainda que longe de se imaginar o que estas personagens vão guardar para atirar à cara um do outro com o passar do tempo e as atitudes que vão tomar.

Porque contrapor perspectivas é a marca de uma obra relevante, Revolutionary Road desenvolve-se como um diálogo ambivalente sobre os mais variados aspetos de uma vida a dois, sem pretender resolver definitivamente nenhum. Leonardo DiCaprio alterna um registo calmo com histeria súbita, o que é muito adequado a Frank, um homem ressentido por estar em constante divisão entre desejos e obrigações. Kate Winslet é perfeita em cada movimento, cada levantar de voz aos filhos, cada desvio de olhar numa discussão. A sua personagem, April, tem grandes sonhos, não se conforma com a suburbanidade, mas sabe o quão difícil lhe é decidir o seu próprio destino (afinal, estamos a falar dos anos 50), por isso torna-se esquiva quando percebe que não pode procurar a felicidade onde bem lhe apetece. Ambos estão no seu melhor com estes jovens pais, algo insensatos, algo egoístas, e não só podemos, mais uma vez, verificar que Mendes se consegue aproximar dos atores como poucos, sem que um filme perca fulgor visual por isso, como vemos uma dupla cuja evolução individual parece não ter limites reunir-se, depois do primeiro encontro em Titanic, e entrosar-se com uma naturalidade desarmante. As discussões mais acesas entre os dois fazem-se apenas de palavras mas são dolorosas até mais não.

Apesar da qualidade do trabalho destes intervenientes (e não me posso esquecer da bela cinematografia de Roger Deakins, um génio aparte), a escrita revela-se desequilibrada. É verdade que Michael Shannon confirma ser um grande ator com o esquizofrénico John, mas a sua personagem afeta a subtileza do argumento, existe para trazer alguma bizarria e evidenciar os dilemas em jogo, soletrando-os para quem não está a atingir. Desnecessário. Temos também um flashback que outros argumentistas provavelmente teriam tentado inserir nos primeiros momentos do filme, para não comprometer a linearidade, e dez minutos a mais no fim. O verdadeiro nó no estômago é dado quando, depois de tanta intensidade emocional, April parece decidida a agir como se nada tivesse acontecido no seu casamento nos últimos tempos – podem chamar-lhe anticlimático, mas seria perfeito deixar o espectador no ponto em que já não se decifra se ela ou ele vão ferir o outro ou a ferir-se a si mesmos de forma irremediável. Não compreendo como é que este filme não teve nomeações aos Óscares para os seus atores principais, sendo ainda mais insondável a razão que levou a Academia a preferir o papel de Winslet no insípido The Reader neste ano. Quanto a Mendes, poderá, um dia, vir a abraçar um projeto sem problemas no papel e moldar um grande clássico americano, algo que, para mim, continua a ficar apenas perto de o fazer, não obstante a evidente consistência.

7/10

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