quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Star Wars: The Force Awakens (J.J. Abrams, 2015)

Nunca fui grande fã de Star Wars. Talvez seja a forma mais justa de começar este texto. Enquanto ficção científica, é um universo desprovido de extrapolações para o mundo real, não havendo quaisquer comentários sociais ou culturais contemporâneos subentendidos, exceto a inoperabilidade da democracia levada ao extremo por uma república com milhões de vozes divergentes. Enquanto filme de aventura, o carisma das personagens e a dimensão dos cenários geraram momentos icónicos de ação, repletos de reviravoltas, ainda que com base em um maniqueísmo simplista, tirando Darth Vader, sendo por isso, além do seu visual, a figura que mais se destaca, merecendo o lugar central na trilogia anterior.

Isto é importante porque, mais do que qualquer Episódio até agora, The Force Awakens apela à nostalgia de quem adquiriu uma ligação emocional forte com a saga. As referências ao passado eram, obviamente, inevitáveis, mas analisemos o contexto. 30 anos depois de Return Of The Jedi, no qual Vader e Palpatine morrem, deixando a pairar a ideia de que o Império terá caído de vez, somos agora confrontados com uma organização que parece ter herdado os seus meios e fundos, mão-de-obra e vileza: a Primeira Ordem. A estética nazi-chic, nomeadamente a organização irrepreensível, o líder inflexível que adota como braço direito alguém que deve hesitar no último minuto e a procura pela arma perfeita, não engana.

Apesar de acossada pela destruição planeada pelo lado negro da Força na trilogia original, somos levados a concluir que a República terá assistido impávida e serenamente ao surgimento de uma nova ameaça, cujo crescimento foi tal que se apresentam, tão pouco tempo depois, com uma nova Death Star, que suga a energia de sóis, concentrando-a num raio capaz de destruir planetas inteiros. Um grupo de inconformistas, sob a liderança de Leia, concentra-se clandestinamente para travar a luta a que a política vira a cara. Graças a um punhado de coincidências oportunas, surgem heróis improváveis. A probabilidade de virem a dominar a Força e de terem laços de sangue com os vilões ou com antigos conhecidos é grande.

Se estiverem a pensar que isto é algo familiar é porque o enredo é exatamente o mesmo de A New Hope. Há duas agravantes, em primeiro lugar o efeito-surpresa que atingiu o cinema em 1977 é irrepetível, tornando The Force Awakens previsível, e em segundo lugar, considerando os antecedentes, não é minimamente credível que os factos se sucedam sem grandes variações em relação a esse filme. Pode-se argumentar que também não se esperaria que a Alemanha causasse duas Guerras Mundiais no espaço de 25 anos, contudo fica um sentimento de este argumento reduzir o impacto dos Episódios IV, V e VI ao mínimo. São quase irrelevantes na memória coletiva da galáxia, mas reciclados para não comprometer a relação com os fãs.

Ver Han Solo, Chewbacca e os Skywalker com os cabelos brancos é entretenimento de qualidade apenas para o espectador que já os venerava. Para o resto, as personagens Finn e Rey são bem-vindas. John Boyega interpreta um stormtrooper que rejeita ser um cordeirinho. Daisy Ridley é uma sucateira cheia de carácter. O futuro é promissor para estes jovens atores, a quem o humor ao estilo de Guardians Of The Galaxy assenta como uma luva, sem esquecer a intensidade a que, ela em especial, se sujeita nas cenas com Kylo Ren, um adolescente com tiques de Vader. Sem querer ser injusto com J.J. Abrams e restante staff, visto que mais revelações se aproximam, The Force Awakens é, numa palavra, competente.

6/10

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Frankenstein (James Whale, 1931)

Seria obviamente incorreto proclamar 1931 como o ano da popularização do cinema de terror, visto que a intenção de aumentar a adrenalina nos espectadores e a procura pela materialização em celuloide dos mais profundos medos humanos e das histórias mais bizarras alguma vez escritas constituem um binário que remonta inclusive ao século anterior, a pioneiros como Georges Méliès. Nos estúdios de Potsdam, o centro de toda a produção da República de Weimar, Robert Wiene congeminara The Cabinet Of Dr. Caligari (1920) e Faust (1926), obras seminais do expressionismo alemão. Lon Chaney Sr. já fazia sucesso em dezenas de papéis diferentes.

Ainda assim, 1931 pode ser considerado um ano pivô, marcado pelo lançamento de três adaptações míticas: Dracula, Dr. Jeckyll And Mr. Hyde e Frankenstein. Os livros de Bram Stoker, Robert Louis Stevenson e Mary Shelley, respetivamente, têm lugar assegurado no panteão da literatura intemporal, pela reconstrução de mitos ancestrais, pela exposição de doenças mentais ou pela exploração dos limites da ciência. Os três filmes diferem em tom: o primeiro é silencioso, lúgubre, subtil; o segundo é criativo, açucarado, com muitas alterações em relação ao livro; o terceiro contém cometários sociais, é mais violento e o único em que a personagem marcante não é a principal.

Henry Frankenstein é filho de um barão e ex-estudante de medicina, tendo saído da casa de família e da universidade pelo mesmo motivo: concentrar-se nas suas experiências de ressuscitação humana com recurso à eletricidade, utilizando membros e órgãos recolhidos à socapa de vários corpos. Refugiado numa torre de vigia abandonada, o jovem quer provar às suas figuras masculinas de referência que estão errados, tanto ao pai incompreensivo como ao professor de neurologia cético. Pode-se especular que Henry se rebela para conseguir a aprovação de ambos, conseguindo apenas a do Dr. Waldman, que o auxilia e morre como consequência.

O argumento é mais explícito quanto à relação com Elizabeth. Apesar do casamento constantemente adiado, o amor e respeito são mútuos, talvez por cobrarem pouco um ao outro, num ambiente de riqueza material e expectativas altas. Os Frankenstein contrastam com a aparente pobreza e isolamento da região rodeada por altas montanhas peladas. Apesar de nos interessarmos pelos desafios que enfrentam, importa reforçar a sua arrogância. Henry sente-se um Deus quando finalmente consegue atingir o seu objetivo. O barão apenas fala de si, maltrata o presidente da câmara sem motivo e acha que ser bom governante é disponibilizar cerveja para todos os concidadãos em dias de festa.

Numa noite de trovoada, um fenómeno eletrostático adequado para garantir o bom funcionamento da maquinaria montada na torre transformada em laboratório, o monstro, cosido a partir de pedaços de outros monstros, designadamente o cérebro de um criminoso, ganha vida. Boris Karloff entra em cena. Cabelo lambido, sem sobrancelhas, parafusos no pescoço, esta criação desafia os limites éticos da ciência sem dizer uma palavra. Se a morte passa a ser reversível, que restrição moral se pode associar ao ato de matar? Na cena mais mítica do filme, Karloff abre o rosto num sorriso ao ser confrontado com a inocência de uma criança, segundos antes de a mandar para o fundo dum lago.

A criatura que representa o milagre da ressuscitação mata indiscriminadamente. O revés é violento, repentino… sublime. Décadas depois, John Connor ensina a mesma expressão facial a uma máquina letal em Terminator 2: Judgment Day (1991), provando a sua influência. Está tudo nos clássicos. Não se pode dizer que Frankenstein seja tão assustador como quando saiu, claro, e o epílogo revela-se dispensável, mas o estilo visual gótico não perde o seu valor artístico, a interpretação de Karloff continua a ter impacto e os temas abordados são sempre relevantes. Este é um monumento de relevo num género que nunca mais parou de surpreender.

9/10

sábado, 5 de dezembro de 2015

Things We Lost In The Fire (Susanne Bier, 2007)

Susanne Bier pode-se vangloriar de pertencer ao restrito grupo de realizadores europeus a fazer filmes – no plural – em Hollywood. Não que essa transição seja sempre positiva, mas é frequentemente uma hipótese de trabalhar com outros recursos e de chamar a atenção de mais pessoas para uma carreira. Ainda assim, Bier não abdicou das suas imagens de marca e consegue aqui desenvolver mais um drama sólido, como nos vinha habituando a partir de outras geografias.

O início do filme deixa algumas reticências, pela colagem demasiado forçada ao estilo de escrita de Guillermo Arriaga, em voga depois do reconhecimento de Babel um ano antes. Não se pode dizer que a não-linearidade afete a coesão da história. Há alguma lentidão e repetição, que se revelam insuficientes para enfraquecer a evolução emocional das personagens, antes ajudam a construir um maior realismo sobre a dificuldade de perder um ente querido.

Esse é o foco de Things We Lost In The Fire, via a evocação de Brian Burke (David Duchovny), pai e marido, cuja memória paira insistentemente, depois de morrer num crime sem sentido, quando tentava parar um homem de espancar a própria mulher em plena rua, numa noite em que este tinha decidido visitar o amigo de infância Jerry (Benicio Del Toro), contra a vontade da esposa Audrey (Halle Berry).

Os laços que se vão criando entre os que se mantêm no mundo dos vivos extrapolam os sentimentos e motivam grandes mudanças na vida de todos, não só para ultrapassar a dor, como também para corrigirem falhas de carácter que carregam há demasiado tempo e que nunca tiveram coragem de enfrentar. Jerry e Audrey, tal como os atores que interpretam os papéis, são um par improvável e, talvez por isso, muito interessante de seguir.

Halle Berry encontrou aqui um novo papel dramático bem construído, depois de ter andado algo perdida desde o sucesso de Monster's Ball, mas é Benicio Del Toro que carrega este filme, na maior parte. As suas expressões cansadas e melancólicas assentam que nem uma luva e nota-se muita preparação nas cenas que são provavelmente as mais chocantes, em que tem de encarar as tentativas de reabilitação de Jerry, no fundo um junkie viciado em heroína.

O argumento é paciente e encontra sempre o tom adequado para cada situação, com especial destaque para os diálogos das crianças, que inúmeras vezes são notas de rodapé em dramas familiares desta índole. Há a lamentar o desperdício de uma ou outra personagem, como Kelly (Alison Lohman), uma drogada que Jerry conhece em grupos de apoio. O processo de filmagens, com câmaras de mão a gravar muito perto dos atores, e a fotografia, a realçar reflexos e luminosidades fortes, são soluções estéticas que ajudam à criação de um ambiente intimista. Things We Lost In The Fire é um drama eficaz.

7/10