domingo, 3 de maio de 2015

Dark Passage (Delmer Daves, 1947)

Dark Passage é comummente lembrado por ser a terceira das quatro ocasiões em que Humphrey Bogart e Lauren Bacall, cuja química no ecrã se traduziu num casamento na vida real, contracenaram juntos e também por ter sido filmado na primeira pessoa durante quase 40 minutos, uma decisão técnica que ainda hoje é rara, quanto mais ser central à acção durante tanto tempo. Mais do que uma extravagância, esse mecanismo envolve o espectador na fuga da personagem principal da prisão, para além de esconder a sua cara.

Não é que a voz de Bogart seja difícil de identificar, mas aí reside o busílis da questão, o condenado Vincent Parry apenas adquire o aspecto do mítico actor da Hollywood clássica depois de uma cirurgia plástica destinada a ocultar a sua identidade e permitir que não seja apanhado facilmente. O suspense anda à volta do rosto original, que vemos de relance nas capas de jornais, e não do rosto que é revelado quando as ligaduras são retiradas. Acusações falsas, antigas e novas, de homicídio perseguem-no.

Assim dito por alto parece uma história com detalhes criativos. Olhando de mais perto, os acasos que se sucedem geram muita incredulidade. Num film-noir é expectável que o destino suplante as vontades das personagens e mude repentinamente a direcção que seguiam. Não obstante, pedir que se aceite como normal que Irene Jansen (Bacall) surja na estrada pronta para dar boleia a Parry exactamente quando este escapa de San Quentin porque estava a pintar nas proximidades, faz torcer o nariz.

Pior ainda quando o acusado apanha um táxi horas depois e o taxista mete conversa, deduz o que se passa e recomenda, sem exigir qualquer recompensa, o médico que fará a operação clandestinamente e com inefável competência. Sem querer ser demasiado específico, também é uma desilusão que um filme que tanto promete, com o casal mais magnético de sempre e truques de câmara inovadores, se possa resumir com o meme da overly attached girlfriend, afinal a causa de tanta injustiça.

Seria interessante haver tensão relativamente à veracidade ou falta dela nos argumentos utilizados para atribuir a Parry o estatuto de criminoso perigoso. Irene declara que sempre acreditou na sua inocência e somos obrigados a pensar o mesmo. Concluindo, Delmer Daves assina uma obra inconsistente que, por cada plano exterior maravilhoso de San Francisco, tem um buraco no argumento. Não é demérito seu nem dos actores, mas Dark Passage é um underachiever.

6/10

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