quinta-feira, 2 de abril de 2015

O Pintor e a Cidade (Manoel de Oliveira, 1956)

Apesar de não ser o maior fã do realizador, é impossível abordar o tema do Porto no cinema sem falar de Manoel de Oliveira e a verdade é que os seus documentários (integrais ou parciais), a tripla Douro, Faina Fluvial (1931), O Pintor e a Cidade (1956) e Porto da Minha Infância (2001), espaçados por muitas décadas, são um arquivo ímpar da evolução da cidade. Como tal, acabam por ser os meus momentos preferidos de toda a sua filmografia, por representarem, com tanto gosto e através de técnicas diferentes, seja num preto-e-branco mudo, pela justaposição de fotogramas e pinturas ou fundindo drama e memórias, o magnetismo do local onde ambos nascemos.

Para mim, o Porto é um estado de espírito, potente em indústria, turismo, cultura, gastronomia e arquitectura, onde um rio Património Mundial encontra o oceano Atlântico, e seis pontes, cada qual única à sua maneira, saltam as escarpas de uma margem para a outra, margens essas que se fortificaram para depois se abrirem ao mundo várias vezes ao longo da História, imprimindo no DNA das ruas e das pessoas uma inexpugnabilidade natural. Tudo isto, Manoel de Oliveira consegue revelar sem grandes tretas em O Pintor e a Cidade. Há uma necessidade de imputar vanguardismo sobre o classicismo das tradições, dos edifícios e das mentalidades: nos anos 50, barcos rabelos conviviam com barcos a vapor, as pontes de ferro D. Luís e D. Maria Pia do séc. XIX acolhiam os comboios e eléctricos do séc. XX e o futebol enchia o moderno estádio das Antas tal como uma banda filarmónica povoava o Jardim de S. Lázaro, o mais antigo da cidade; nos dias de hoje podemos parar num Costa Coffee junto da barroca Torre dos Clérigos, ver cruzeiros modernos passar ao lado dos mesmos rabelos de há trezentos anos e atravessar a ponte D. Luís de metro.

Numa toada “meta” invulgar para a época, a visão de Manoel de Oliveira é direccionada pela de António Cruz, que seguimos silenciosamente por vários pontos, e essa confiança é bem depositada: o Porto é cenário de realismo-mágico e as aguarelas do pintor têm o mesmo registo. Quem conhece, pode ainda entreter-se com o jogo do “antes e agora”: a antiga configuração elipsoidal da Praça da Liberdade, o cinema Batalha aberto, a EFANOR, a Praça da Ribeira sem cubo, a esquina da Rua Mouzinho da Silveira e a Avenida Dom Afonso Henriques com os mesmos sinais “VESTIR BEM E BARATO SÓ AQUI” nas varandas, entre outros. Quem não conhece, apreciem. From Porto with lobe, carago.

9/10

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