quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Boyhood (Richard Linklater, 2014)

Quando se segue a carreira de alguém com assiduidade e chega um ponto em que somos presenteados com um trabalho que inquestionavelmente representa o culminar da evolução de características e técnicas abordadas desde o início é muito gratificante. Boyhood é um desses momentos. Nele está a vontade de retratar o quotidiano sem artifícios de Slacker, as dores de crescimento de Dazed And Confused, a construção e desconstrução de laços afectivos de cada reencontro com o casal Jesse e Celine (Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight, até agora) e, ainda mais importante, o registo, a percepção e a memória da passagem do tempo, transversal a todos esses filmes.

O que é a cidade de Austin nos anos 90, que se faz, que se diz, que se ouve, onde se vai, que se veste? O que significou ser adolescente nos anos 70, quais são os receios ao entrar e as dúvidas ao sair do secundário e como se intersectam? O que se tem de sacrificar e pelo que se tem de lutar para manter durante décadas uma relação que experimenta incontáveis intermitências? A simplicidade estilística que Richard Linklater privilegia serve uma hiperconsciência do presente empenhada em celebrar cada momento pela sua fugacidade. “The moment seizes us”, resume-se aqui. São doze anos que passam pelas personagens e pelos actores em igual medida e todos os segundos são irrepetíveis.

Mason Evans Jr. e Ellar Coltrane crescem a olhos vistos. No ecrã vemos etapas próprias da idade, lugares-comuns como brigas entre irmãos, fins-de-semana de campismo, aquela altura em que um pai decide que o melhor penteado para o filho é a máquina zero, aulas aborrecidas, namoros mal sucedidos, no fundo a vida como ela é (ou foi), sem enredo, sem clímax, sem arcos. A representação dessa linearidade é hipnotizante e o conceito original, mas serve apenas de base para o alcance do filme. O drama resultante das experiências de Mason é um patamar, a forma como o filme nos devolve as nossas experiências ao remeter-nos para um determinado período é outro patamar.

Quando Boyhood começou a ser gravado, a Yellow dos Coldplay dominava as rádios. Quando Boyhood parou de ser gravado, os telemóveis de terceira geração já estavam amplamente disseminados. É curioso verificar que as mudanças culturais acontecem a um ritmo mais rápido daquele que pressentimos, e, com essas mudanças, especialmente a nível tecnológico, também damos menos valor ao que acontece aqui e agora porque podemos gravar e fotografar a qualquer altura para mais tarde recordar – mas depois olhamos para trás e, se calhar, podíamos ter aproveitado melhor o momento enquanto o vivíamos. Linklater convida-nos a parar e observar, com liberdade, sem sentenças, este mundo moderno. É, sem dúvida, o filme que nasceu para realizar.

9/10

Sem comentários:

Enviar um comentário