sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

The Life Of Emile Zola (William Dieterle, 1937)

Émile Zola chegou a ser o escritor mais popular em França, tendo encabeçado o movimento naturalista, que se focava nas agruras do quotidiano, procurando o realismo e a honestidade independentemente do contexto. No início do filme podemos ver como penou nos primeiros anos após ter regressado a Paris, encaixando naquela imagem do artista totalmente dedicado ao que faz, mais preocupado em encontrar a sua voz do que em conseguir uma refeição decente que seja por dia, tal como o pintor Cézanne, seu amigo de infância, que sempre o acompanhou e que viria, ele próprio, a tornar-se uma referência no seu ofício.

Contudo, é na sua intervenção num mediático caso de injustiça social contra um oficial de ascendência judaica do exército que The Life Of Émile Zola mais se foca, acima de tudo para demonstrar que a fama e o conforto, que o escritor mereceu e a que se podia ter votado, não devem ser emissários de insensibilidade. Atordoado pela derrota na guerra franco-germânica de 1870, abalado por uma onda nacionalista e anti-semítica, o país encontrou no caso Dreyfus um escape fácil para as tensões e frustrações acumuladas, inerentes a todo o período da Terceira República.

A polémica descoberta de um documento traficado para a embaixada alemã com informação delicada exigia uma resolução rápida e o capitão foi o bode expiatório. O exército rapidamente manipulou a opinião pública contra Dreyfus e acusou-o de espionagem, organizando até um julgamento de fachada, humilhando-o em público e expatriando-o para uma prisão remota na Guiana Francesa. A mulher e os filhos ficaram para trás e inteligentemente tentaram envolver uma figura de renome a favor da inocência. Zola hesita, mas acaba por se envolver e ser acusado por difamação.

A dimensão que a mentira criada pelos poderes instalados toma é surreal, mesmo quando as provas a favor de Dreyfus começam a surgir. O argumento é extremamente hábil a revelar todas as manipulações da situação, sendo fácil e interessante de seguir. Não é de estranhar que os dois papéis masculinos principais tenham sido reconhecidos com nomeações pela Academia, pois tanto Paul Muni (talvez o melhor actor americano dos anos 30) e Joseph Schildkraut recriam as suas personagens com humanismo e credibilidade. Mais do que nunca, é bom ver exemplos históricos de como a justiça vem sempre ao de cima.

8/10

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

LISTAS: Woody Allen

Os 10 filmes preferidos de Woody Allen:

  • Bicycle Thieves (Vittorio De Sica, 1948)
  • The Seventh Seal (Ingmar Bergman, 1957)
  • Citizen Kane (Orson Welles, 1941)
  • Amarcord (Federico Fellini, 1973)
  • 8 1/2 (Federico Fellini, 1963)
  • The 400 Blows (François Truffaut, 1958)
  • Rashomon (Akira Kurosawa, 1950)
  • La Grande Illusion (Jean Renoir, 1937)
  • The Discreet Charm Of The Burgeoisie (Luis Buñuel, 1972)
  • Paths Of Glory (Stanley Kubrick, 1957)

domingo, 26 de janeiro de 2014

CURTAS: The Tale Of The Three Brothers (Ben Hibon, 2010)

Se houve fenómeno que segui e me seguiu durante a adolescência, foi Harry Potter. Desde que me foi oferecida uma cópia da primeira edição do primeiro livro que passei a viver intensamente a história do órfão com uma cicatriz em forma de relâmpago que descobre que é um feiticeiro; afinal, quantas vezes, quando se é mais novo, não nos sentimos deslocados, não queremos fugir do que nos rodeia ou não desejamos ter super-poderes? E quando se é adulto também, já agora! De todos os frames que as adaptações ao cinema geraram, estes são dos meus preferidos: na primeira parte de Harry Potter And The Deathly Hallows uma animação interrompe a acção para contar a história, um pouco ao estilo Kill Bill, da origem de alguns objectos preponderantes. As silhuetas das personagens contrastam com o fundo dourado e há uma aura de antiguidade e fantasia em tudo emulada de Lotte Reiniger. A narração perfeita de Emma Watson também ajuda.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Around The World In Eighty Days (Michael Anderson, 1956)

O valor de Júlio Verne enquanto escritor é evidente quando os seus livros continuam a ser lidos nos dias de hoje, provando que estes contêm, mais do que especulação científica espetacular que o tempo veio a tornar realidade, aventuras extremamente cativantes e transversais ao presente. Quando em 1956 saiu o filme Around The World In 80 Days, já as viagens de balão estavam ultrapassadas e tanto a aviação como o turismo náutico haviam encurtado distâncias, para usar uma expressão ouvida na introdução. Contudo, os episódios de cada paragem, o humor e a possibilidade de ver paisagens novas e distantes sem sair da sala de cinema tornaram-no num clássico incontornável.

Tudo começa com uma aposta, que Phileas Fogg (David Niven) pretende ganhar, nem que gaste toda a sua fortuna, cuja origem é desconhecida. Só no emproado Reform Club se descobririam personagens ricas e caprichosas o suficiente para, primeiro, discutir quanto demorariam a circundar o globo e, depois, para o tentarem fazer. Em abono da verdade, o rigor de Fogg é tal que impressiona até os seus comparsas, também eles devotos da pontualidade britânica, do chá das quatro ou do whist. Numa agência de emprego, um mordomo lamenta-se por não o poder aturar mais. Isto parece um trabalho para… Cantinflas! Que melhor contraparte do que o mulherengo e flexível Charlie Chaplin mexicano?

Com esta premissa absurdista, a comédia nunca baixa em qualidade, pois o improvável passa a ser permitido a Fogg e ao seu ajudante Passepartout. Alugam um elefante para atravessar a selva indiana por 1000 libras (“- You’ve been diddled!” “-Undoubtedly, but it’s not often one needs an elephant in a hurry”), salvam uma princesa, atravessam um desfiladeiro americano de comboio numa ponte que vai caindo atrás deles (numa espécie de referência a The General, cujo mentor, Buster Keaton, aparece como o pica de serviço), entre outras peripécias. Pelo caminho é certamente batido o record de cameos: Frank Sinatra, Marlene Dietrich, Charles Boyer, Trevor Howard, Peter Lorre, parem-me que a lista não acaba.

Isto não é tudo, porque levam com uns 70mm de Technicolor que até andam de lado. Michael Anderson monta a câmara em tudo o que pode, no elefante, na frente do comboio ou num cavalo, filma o monte Fuji do mar, o campo inglês dum balão, enfim, a beleza destes planos é inqualificável, qual revista Volta ao Mundo. Niven é perfeito na sua impassibilidade, mas revela um lado desiludido mais para o final, de um solitário que se refugiou nas niquices do quotidiano por não ter ninguém com quem o partilhar. Anda-se em círculos, mas ganha-se muito. Este é um dos melhores filmes de aventura que há e merece ser recordado e revisto sempre que possível.

9/10

domingo, 19 de janeiro de 2014

West Side Story (Robert Wise, 1961)

O clássico musical de Robert Wise sobre dois grupos de jovens delinquentes muito diferentes em Nova Iorque ainda surpreende. Seja pela palete de cores vibrantes, a história com toques de Romeu e Julieta ou os números musicais memoráveis, West Side Story continua a ser contagiante. America é um dos meus momentos preferidos. A letra de Stephen Sondheim realça, com algum humor à mistura, as vantagens e desvantagens, as facilidades e os preconceitos que os emigrantes do Porto Rico encontra(va)m ao chegar aos EUA, apesar de serem parte integrante da união.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

The Hobbit: The Desolation Of Smaug (Peter Jackson, 2013)

Que três livros resultem em três filmes, é compreensível. Agora, um livro dar três filmes, isso já pode causar alguma impressão. Especialmente numa altura em que Hollywood se inunda ano após ano com remakes, sequelas e prequelas da treta e tenta espremer ao máximo o sumo de tudo o que parece minimamente rentável no imediato, o receio de que Peter Jackson poderia ter aderido ao capitalismo cego, dez anos depois de Lord Of The Rings, e manchasse o currículo ao decidir voltar áquilo que o havia elevado aos píncaros e reservado um lugar na memória da sétima arte era realista. Fui ver o primeiro tomo desta nova aventura reticente e saí da sala com sentimentos contraditórios: se por um lado, em An Unexpected Journey, fica evidente que o realizador não perdeu o toque de Midas no que diz respeito a criar cenários e sequências de ação que fazem cair o queixo (aquela fuga dos goblins, wow), o argumento arrastava-se para apresentar tudo e todos com detalhe aparentemente desnecessário e nunca atalhar a viagem, antes pelo contrário. Confesso que sentira o mesmo com The Fellowship Of The Ring, até os outros episódios lhe darem mais sentido, por isso aguardava por The Desolation Of Smaug com expectativa.

Efectivamente, este agradou-me muito mais. O enredo adensa-se à medida que o grupo composto por Gandalf (aqui ainda cinzento), Bilbo Baggins (corajoso e perspicaz), Thorin e os restantes anões se aproximam de Erebor, a montanha solitária, para reconquistar o território que lhes foi roubado pelo dragão Smaug anos antes. As ligações ao que acontece em Lord Of The Rings surgem em maior quantidade, afinal apenas 60 anos separam essa trilogia de The Hobbit. Ficamos, por exemplo, a saber que Gimli é filho de Glóin, reencontramos Legolas e explora-se, numa das cenas mais negras de The Desolation Of Smaug, a origem obscura dos Nazgul, cujas campas Gandalf descobre estarem vazias. Forças malignas reúnem-se em Dol Guldur, lideradas por um necromante misterioso.

A nível de fotografia, é talvez o trabalho mais complexo e variado de todos os episódios Jackson/Tolkien. Desde as imagens da cidade do lago ao verde fluorescente de Mirkwood, visualmente é impossível não ficar satisfeito. A introdução de Tauriel é positiva (claro que, para pôr isto em perspectiva, eu via 50 horas seguidas só de close-ups da Evangeline Lilly): inexistente nos livros, a elfo traz frescura e um capítulo sobre como o amor inter-espécies pode ser possível. Se a interacção de Bilbo com Gollum era o ponto alto do primeiro, o contacto agora com Smaug não fica nada atrás, é intenso e acaba num cliffhanger antes dos créditos finais. O dragão tem uma personalidade sibilina e é imponente pelo tamanho, aspecto, vontade de matar e pelas previsões que executa.

O que de mais importante Peter Jackson tem conseguido com a adaptação do mundo literário de Tolkien é recuperar a magia do cinema, que, ironicamente, parece esvanecer-se à medida que a tecnologia permite criar imagens e sons cada vez mais espectaculares nos blockbusters modernos, ultrapassando todos os limites do possível. Não que Lord Of The Rings e The Hobbit não dependam desses avanços recentes, como é óbvio, mas o que os separa de tudo o que se tem visto no cinema comercial deste século, para além da inigualável imaginação do seu criador primordial, da singularidade das personagens e da solidez das histórias que tinha para contar e que se cruzam invariavelmente, é o puro entusiasmo que o realizador neozelandês tem pelo que está a fazer. Pelo meio de tantas paisagens de cortar a respiração, dos melhores efeitos especiais, de horas e horas de momentos épicos, pressentimos o sonho de um rapaz a tornar-se realidade, um leitor juvenil a folhear páginas avidamente, a planear durante anos a logística necessária para um dia as conseguir filmar, mostrar ao mundo quão longe a sua imaginação viajou, fazer justiça à(s) obra(s) que o tocaram irreversivelmente, e... a conseguir.

8/10

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

FOTOGRAFIAS: Alfonso Cuarón

No set de Y Tu Mamá También (2001);

No set de Harry Potter And The Prisoner Of Azkaban (2004);

No set de Children Of Men (2006);

No set de Gravity (2013).

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

TOP5: Jimmy Stewart

Uma das caras mais reconhecíveis da história do cinema, Jimmy Stewart ganhou popularidade a interpretar repetidamente filhos e chefes de família da classe média. O seu timing cómico e voz gaguejante encontraram em You Can't Take It With You, The Philadelphia Story e The Shop Around The Corner o território perfeito para serem mais que tiques e se tornarem carismáticos. Depois de um longo período de interregno, no qual serviu o exército americano durante a Segunda Guerra Mundial, reatou a sua colaboração com Frank Capra, no clássico natalício It's A Wonderful Life. Mais tarde viriam Rear Window e Vertigo com Alfred Hitchcock, Winchester '73 e The Naked Spur com Anthony Mann, entre outros. A sua versatilidade ficava, então, provada e documentada. Quando em 1985 ganhou um Óscar honorário, a justificação foi "por 50 anos de interpretações memoráveis, pelos seus ideais elevados, no ecrã e fora dele, com o respeito e amizade dos seus colegas." Eis os meus cinco filmes preferidos (sem repetir realizadores):

05. The Philadelphia Story (George Cukor, 1940)

04. Winchester '73 (Anthony Mann, 1950)

03. Harvey (Henry Koster, 1950)

02. Anatomy Of A Murder (Otto Preminger, 1959)

01. Vertigo (Alfred Hitchcock, 1958)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Gentleman's Agreement (Elia Kazan, 1947)

Phil Green (Gregory Peck) é um repórter em ascensão que acaba de aceitar uma proposta de trabalho em Nova Iorque, para onde se muda, proveniente da Califórnia, com o filho (um Dean Stockwell com dez anos) e a mãe. O editor da revista Smith’s Weekly apresenta-lhe novas pessoas, incluindo a sobrinha Kathy (Dorothy McGuire), na qual fica imediatamente interessado, e o primeiro desafio, escrever um artigo sobre antissemitismo, que não o atrai muito à partida. Afinal, estamos num período pós-Segunda Guerra Mundial, por isso é possível imaginar que o assunto, ainda que sempre relevante, estivesse um pouco batido na altura.

Sim, porque a sensibilidade do tema não assusta Phil, é só que, apesar do seu intenso desdém pela xenofobia, ele não sabe o que pode trazer de novo para a discussão. Finalmente, tem a ideia de se fazer passar por judeu, aproveitando-se do facto de estar numa cidade diferente, o que é pouco consistente, já que a fama que tem adquirido, ao ponto de ter agora um melhorado contrato na costa Leste, se deve primariamente aos sacrifícios, qual método de Lee Strasberg, que costuma fazer por uma boa história, como, por exemplo, quando se tornou num mineiro durante algum tempo para escrever sobre a profissão.

Encarar a personagem não se revela difícil, mas o nível de discriminação de que passa a ser vítima surpreende-o, e a mim também me surpreendeu. É arrebatador tomar consciência da sua verdadeira proporção numa América que acabara de libertar a Europa da sombra do nazismo, pelo caminho revelando ao mundo o horror do Holocausto. Enquanto isso, no seu território, continuava a ser cultivado na sociedade civil um desprezo mesquinho pela religião, ao ponto de muitas empresas não contratarem quem a ela estivesse associado ou de muitos hotéis não permitirem reservas a Goldmans, Coens, e outros que tal.

Como denúncia, Gentleman’s Agreement é poderoso. O mais simples diálogo fica revestido de dupla importância pela possibilidade de uma ofensa, até porque vemos como Phil leva a questão cada vez mais a peito à medida que o tempo passa e a paixão com que defende uma mudança de atitudes, incluindo dos que o rodeiam. O reverso da medalha é que, tendo-se atirado de cabeça para uma realidade com a qual não estava habituado a lidar e que o acompanha diariamente enquanto mantém o disfarce, perde o juízo crítico e começa a acusar tudo e todos de antissemitismo, incluindo Kathy, com quem chega a planear casar-se.

Cheguei ao meu maior problema com o filme. Admiro a dedicação de Phil, mas o seu esforço torna-se desproporcionado e quando é confrontado com isso pela namorada somos conduzidos a tomar o partido dele. Phil leva tudo para o domínio da mesquinhez e, como a conversa de Kathy com David (um amigo judeu) nos indica, quem não reage activamente e sisudamente é cúmplice com a xenofobia. Depende. Impor regras à família dela para haver a hipótese de surgirem conflitos ideológicos numa festa caseira não é aceitável. Deixar o filho ser afectado pela mentira que o ajudará profissionalmente é egoísta.

Vai longe demais e não é isento de falhas. Sendo que o próprio país é apresentado como estando arrogantemente convencido de ter superioridade moral, a sua força e ego reforçados por uma vitória militar gigantesca, faria sentido conduzir a evolução de Phil pelo mesmo caminho, o seu sucesso em concomitância com um moralismo insuportável. Se acabasse no penúltimo encontro entre o casal de protagonistas, seria incerto e maravilhoso. Nada disto tira mérito à sólida realização e às grandes interpretações, habituais nos filmes de Kazan. Em 1947 fez este papa-prémios e fundou o Actors Studio. Um ano histórico, portanto.

6/10

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

CITAÇÕES: The Great Ziegfeld (Robert Z. Leonard, 1936)

Hotel doorman: Do you realize you just gave me five pounds?!
Florenz Ziegfeld Jr. (William Powell): Yes, I'm trying to lose weight.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

CURTAS: Selbstschüsse (Lutz Mommartz, 1967)

Este foi o primeiro filme que vi em 2014... e ainda bem! Mommartz divaga sobre o prazer de ver cinema e as suas possibilidades infinitas com uma energia contagiante. O realizador experimental alemão corre com a sua câmara de 16mm, atira-a ao ar, filma-se a rir, a sério, que mais incentivo é preciso para se ter um ano cinematográfico preenchido?