domingo, 29 de setembro de 2013

The Ides Of March (George Clooney, 2011)

Quando Stephen (Ryan Gosling) diz a Mike (George Clooney), governador democrata à procura de apoio suficiente dentro do seu partido para concorrer à presidência dos EUA, em plenas eleições primárias no sempre crítico estado do Ohio, que na política “you can lie, you can cheat, you can start a war, you can bankrupt the country, but you can’t fuck the interns”, vem inevitavelmente à memória o caso Monica Lewinski. The Ides Of March joga com imagens e fantasmas recentes da história daquele país de forma extremamente eficaz, por vezes furtiva, como através da semelhança dos cartazes de apoio a Mike com os de Obama em 2008, tentando projectar à partida uma imagem de um candidato tolerante, moderno, acessível e carismático, que é depois desfeita pela revelação da sua relação extraconjugal com Molly, que trabalha na sua campanha, é filha de um amigo do topo da pirâmide do partido e tem apenas 20 anos.

O filme partilha uma grande clareza de linguagem e um olhar clínico sobre poder e corrupção com clássicos como All The President’s Men, Network e o mais recente Michael Clayton, sendo conduzido por diálogos cuidados, soluções de grande cinismo e personagens com morais ambíguas, à excepção de Stephen… pelo menos no início.

De facto, as descobertas que o jovem faz e as más decisões que toma, ainda que sem malícia, acabam por funcionar como uma bola de neve num enredo que se vai adensando e motivando traições, cobardias e confrontos, funcionando como um ritual de passagem, o fim da ingenuidade e o início de uma carreira com potencial. Enquanto a Philip Seymour Hoffman são permitidos alguns momentos de maior exaltação, como a brilhante cena em que despede Stephen, Gosling e Clooney entram num tête-à-tête sibilino, não menos memorável, de charme e trapaçaria, cada um elevando a sua poker face à perfeição. É imputada ao processo democrático a corrupção como uma inevitabilidade; enquanto eleitores e cidadãos sabemos que tal é possível mas esperamos que não seja certo. Porém, The Ides Of March não deixa espaço para optimismo nem esperança quanto ao futuro, acabando com um dos mais enigmáticos close-ups dos últimos anos.

8/10

sábado, 28 de setembro de 2013

LISTAS: Michael Haneke

Um dos meus realizadores preferidos reitera a sua admiração por Robert Bresson nesta lista dos seus filmes preferidos, bem como outros mestres de um tipo de cinema mais espiritual, como Andrei Tarkovsky.


  • Au Hasard Balthazar (Robert Bresson, 1966)
  • Lancelot Of The Lake (Robert Bresson, 1974)
  • The Mirror (Andrei Tarkovsky, 1975)
  • Saló, Or The 120 Days Of Sodom (Pier Paolo Pasolini, 1975)
  • The Exterminating Angel (Luis Buñuel, 1962)
  • The Gold Rush (Charlie Chaplin, 1925)
  • Psycho (Alfred Hitchcock, 1960)
  • A Woman Under The Influence (John Cassavetes, 1974)
  • Germany Year Zero (Roberto Rossellini, 1948)
  • L'Eclisse (Michelangelo Antonioni, 1962)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

CURTAS: Flying Padre (Stanley Kubrick, 1951)

Uma das três curtas documentais conhecidas de Stanley Kubrick é Flying Padre, que conta a história de um padre que se desloca de avião pelas diversas paróquias do estado do Novo México pelas quais é responsável, muito distantes umas das outras. Nesta altura, o realizador já havia saído da revista Look, onde foi fotógrafo, e dava os primeiros passos no mundo do filme. Esta curta destaca-se pelo tom ligeiro de uma história curiosa.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Behind The Candelabra (Steven Soderbergh, 2013)

Não se pode dizer que a consistência seja uma preocupação para Steven Soderbergh; na realidade, se há alguém em Hollywood que se assume como um autor que prima pela variedade e produtividade é ele, que muda de registo e estilo com uma facilidade impressionante, mesmo que nem sempre com a mesma taxa de sucesso. Ainda assim, se há tema que se pode reencontrar frequentemente na sua filmografia é a sexualidade, não só a forma como a sociedade em geral e certos meios em particular a encaram, rejeitam ou exploram, mas também a forma como as próprias personagens lidam com as suas preferências, actos e escolhas no que a isso diz respeito.

Parte do sucesso de Sex, Lies And Videotape deveu-se à sofisticação com que contrapunha a traição consumada com a verbalizada, pondo duas questões contraditórias, qual delas a pior e qual delas a mais erótica e estimulante? Com The Girlfriend Experience e Magic Mike, vinte anos depois, a realidade é menos restritiva e restam pouco tabus, só que o preço pode ter sido a queda dos compromissos numa relação, secundarizando-se o amor em prol da pura satisfação dos desejos carnais. Comparando com estes exemplos, Behind The Candelabra é mais convencional – a intimidade não é reprimida, os sentimentos são profundos, não descartáveis e o espectáculo é subtilmente revelador, não impudente.

Liberace e Scott Thorson podiam ser um casal tão comum como qualquer outro, não fosse o primeiro o pianista mais famoso de uma América ainda pouco preparada para lidar com a sua homossexualidade, por muito evidente que fosse, e, mais importante para o filme, um homem extremamente inseguro, obcecado com a juventude que lhe foge à medida que as décadas avançam, marcado negativamente pelo poder controlador materno (ainda que a extensão seja pouco clara, são vários os detalhes que apontam para tal, como a referência a liberdade feita por Liberace perante a morte da mãe), incontrolavelmente promíscuo, cheio de amor para dar e medo de o dar a quem não o merece.

A complexidade dos seus números em Las Vegas está a par com a da sua vida privada. Pelas suas contradições e pela exposição que o papel exige, é impossível não admirar o que Michael Douglas faz aqui. Liberace é assumidamente extravagante, mas, em palco com o mais brilhante dos pianos ou em casa rodeado pelos mais luxuosos móveis, a fazer a mais honesta declaração de confiança ou a relembrar nervosamente quem traz o dinheiro para casa, nunca deixa de ser um homem sensível, quer dizer, mesmo nos seus momentos mais irracionais e imprevisíveis, Douglas inspira a compaixão que alguém tão naturalmente altruísta, no fundo, exige.

Matt Damon tem uma particular habilidade para trapaceiros e aproveitadores. Não é que Scott o faça com intenção, mas a verdade é que, confortável sendo o amante-filho-confidente-empregado de uma celebridade, deixa de olhar com ponderação para o seu presente e futuro. O sonho de ser veterinário, por exemplo, esvai-se rapidamente e nunca mais é mencionado. Claro que numa relação tão intensa, mantida às escondidas com muito esforço durante seis anos, onde os dois lados levam vidas tão diferentes, há imensos desequilíbrios, ambos cometem erros, tentando preencher os vazios que carregam desde a infância, e é agridoce constatar que o amor, que existe e é abundante, não é suficiente para a manter.

O argumento foca-se em expor as imperfeições e fragilidades de cada, o que simultaneamente realça os sentimentos que os unem, deixando a Soderbergh a tarefa de colorir um dos mais vívidos retratos de uma história em conjunto dos últimos anos. O mundo exterior passa a ser um rumor. A fotografia é tão “kitsch palacial” quanto o estilo cultivado e assim denominado por Liberace, o ouro dos anéis e do cabelo de Scott em constante destaque. Isto até se chegar a 1986 e a sentença de morte da SIDA ser o motivo de um último, cinzento e devastador encontro, uma das cenas do ano. Morre também uma certa ingenuidade irrepetível das revoluções dos anos 70.

8/10

sábado, 21 de setembro de 2013

CITAÇÕES: La Notte (Michelangelo Antonioni, 1961)

Lidia (Jeanne Moreau): "When I awoke this morning, you were still asleep. As I awoke I heard your gentle breathing. I saw your closed eyes beneath wisps of stray hair and I was deeply moved. I wanted to cry out, to wake you, but you slept so deeply, so soundly. In the half light, your skin glowed with life so warm and sweet. I wanted to kiss it, but I was afraid to wake you. I was afraid of you awake in my arms again. Instead, I wanted something no one could take from me, mine alone…this eternal image of you. Beyond your face I saw a pure, beautiful vision showing us, in the perspective of my whole life…all the years to come, even all the years past. That was the most miraculous thing: to feel for the first time that you had always been mine, that this night would go on forever, united with your warmth, your thought, your will. At that moment I realized how much I loved you, Lidia. I wept with the intensity of the emotion, for I felt that this must never end, we would remain like this forever, not only close, but belonging to each other in a way that nothing would ever destroy, except the apathy of habit, the only threat. Then, you woke, and, smiling, you put your arms around me, kissed me, and I felt there was nothing to fear. We would always be as we were at that moment, bound by stronger ties than time and habit."
Giovanni (Marcello Mastroianni): Who wrote that?
Lidia: You did...

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Andrei Rublev (Andrei Tarkovsky, 1966)


Voltar a Tarkovsky é como lembrar-me de respirar - aquela percepção majorada de uma constante essencial, que normalmente se toma como garantida. Rever Andrei Rublev é encontrar uma bolsa de oxigénio no fundo de um oceano e continuar a viver, renovado pelo génio e o mistério.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Xingu (Cao Hamburger, 2012)

A criação do Parque Nacional do Xingu, no estado de Mato Grosso, foi precursora na defesa dos índios da América do Sul. Ao longo da sua vida, os três irmãos Villas-Bôas encabeçaram uma mudança de mentalidades no sentido de responsabilizar o estado pela criação e manutenção de condições que permitissem às populações nativas do Brasil evoluírem ao seu próprio ritmo, no fundo viverem como se o país nunca tivesse sido colonizado, preservando assim a essência do mesmo, para além da fauna e flora única das regiões.

Ao ingressarem na expedição Roncador-Xingu, cujo objectivo era fazer um reconhecimento das zonas a branco nos mapas da altura, Cláudio e Leonardo rapidamente entram em contacto amigável com tribos locais, levam algumas a voar de avião, estabelecem postos e inadvertidamente espalham o vírus da gripe, à altura desconhecido por ali. Consequências do progresso. Isso, juntamente com os relatos na primeira pessoa de escravização e assassinato de índios empregados como seringueiros por brancos, parece tornar óbvia a necessidade de segregar estes dois mundos.

Com a ajuda de Orlando, o mais velho, que oferece competência nas questões burocráticas e na disseminação de informação através da imprensa, a ideia da reserva vai ganhando forma, tornando-se realidade com relativa facilidade em 1958, dado o aval do presidente Jânio Quadros, apesar de alguma resistência inicial do governo e do exército. Contudo, o período mais conturbado desta história ainda estaria para vir: o golpe de estado de 1964 traz políticas agrícolas e estradas que ameaçam a sobrevivência do parque, Leonardo engravida uma índia e Cláudio torna-se instável.

Falta a Xingu alguma força na primeira hora, a evolução de uma busca por aventura para a descoberta de uma causa não é totalmente convincente, o argumento ameaça dar, com algumas cenas curtas em São Paulo, contexto político, mas acaba por o fazer de forma muito superficial e o isolamento progressivo de Cláudio é explorado apressadamente, faltando sempre, por uma razão ou outra, carga dramática que eleve o filme a outro patamar. A beleza da Amazónia é inegável, ainda que Cao Hamburger não seja propriamente Roland Joffé. Acima de tudo, fica a visão e a mensagem de tolerância dos irmãos.

6/10

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

TRAILERS: Kill Your Darlings (John Krokidas, 2013)

Entre Kill Your Darlings e Horns, Daniel Radcliffe deve ter um ano em grande, longe de Harry Potter de uma vez por todas. Entre os dois filmes com o jovem talento britânico que vão sair este ano, preferi destacar este, dado o meu fascínio pela cultura beatnik, tão marcada por Kerouac, Burroughs e Ginsberg, cujo primeiro encontro este filme explora. Radcliffe interpreta o último, como se percebe pelos óculos característicos. Destaque também para as presenças de Michael C. Hall, a minha querida Elizabeth Olsen e Ben Foster.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

The Mission (Roland Joffé, 1986)

Um dos poucos filmes de Hollywood relacionados com a história portuguesa, The Mission não pinta um retrato muito abonatório de nenhum dos impérios ibéricos. Compilando episódios que ocorreram no interior da América do Sul durante os séculos XVII e XVIII, durante a cristianização dos povos indígenas da região, gerida por estabelecimentos jesuítas, o argumento do experiente Robert Bolt (Lawrence Of Arabia, A Man For All Seasons) consegue abordar os métodos de aproximação usados pela ordem, os agentes económicos que se tentavam aproveitar disso, os jogos políticos em que a igreja católica participava quando ainda tinham poder para isso e a obsessão de Portugal e Espanha com o comércio.

O que vemos acontecer é que, segundo o Tratado de Madrid (1750), as fronteiras do Brasil foram alargadas e muitas missões foram transferidas para a posse dos primeiros, que na altura, pelos vistos ao contrário dos segundos, ainda autorizavam a escravatura, o que significaria o fim definitivo do trabalho de interacção pacífica que os religiosos estavam a desenvolver. Não querendo explorar a veracidade histórica da cronologia e dos imbróglios que o filme vai apresentando, pois não tenho conhecimento suficiente, devo dizer que é interessante a forma com que as tribos locais aceitam a presença de padres como Gabriel (Jeremy Irons) e reconhecem valor nas suas crenças e ideias ao ponto de reconstruírem a sua sociedade.

Infelizmente, o Vaticano coloca os seus interesses acima da devoção dos seus fiéis e não se opõe à invasão dos esclavagistas, sendo um dos pretextos a ameaça do Marquês de Pombal de expulsar os jesuítas do país, o que viria mesmo a acontecer, tornando o abandono das missões o cúmulo do desperdício, depois de tanto esforço. Os índios sentem-se enganados e é irónico como acabam por respeitar a essência do catolicismo mais do que a instituição que a representa e estão dispostos a lutar por a proteger. Este é o contexto e os padres (cuja bondade e espírito de sacrifício os seus superiores traíram) são meros peões, a quem estão gratos por tudo, incluindo a ajuda para tentar, no fim, evitar o inevitável.

Há planos de uma beleza de cortar a respiração nas florestas do Brasil e não só; então quando estão acoplados ao tema principal de Ennio Morricone, o filme justifica a fama de ser um dos mais grandiosos épicos de sempre. Logo no início, os Guarani crucificam um padre que não deve ter causado uma boa primeira impressão e mandam-no pelas cataratas do Iguaçu abaixo. Uma imagem fortíssima e que faz adivinhar o declínio de princípios da igreja. Esse mesmo cenário é usado várias vezes, incluindo na única cena que merecia ser reescrita – será que ninguém se lembra de travar o exército destruidor que se aproxima quando este tenta chegar à missão escalando as cataratas? Umas pedras já fariam estragos…

Fora isso, Roland Joffé mostra mais segurança aqui e na sua estreia, The Killing Fields (1984), do que em tudo o que fez desde então. Os desastres financeiros que foram Super Mario Bros. (que apenas produziu) e The Scarlett Letter mandaram-no abaixo e nunca mais voltou à ribalta, o que é um desperdício de talento. The Mission equilibra perfeitamente o esplendor visual e os grandes temas com as magistrais interpretações de Irons e Robert De Niro, o inglês com uma calma e uma dignidade a toda a prova e o americano como um herói improvável com inexpugnáveis sentimentos de culpa, que encontra razões para viver graças a Gabriel. Estejam também atentos a um tal de Liam Neeson num papel secundário.

8/10

domingo, 8 de setembro de 2013

NOTÍCIAS: Veneza 2013

O italiano Gianfranco Rosi ganhou ontem o prémio maior do festival de Veneza pelo seu novo filme, Sacro GRA. Aquele que é o primeiro documentário de sempre a ganhar o Leão de Ouro traça um perfil do que é o dia-a-dia em várias zonas diferentes de Roma, seguindo o traçado da GRA (Grande Raccordo Anulare), a circunvalação lá do sítio. O júri que o escolheu era presidido pelo veterano Bernardo Bertolucci e esta foi a quinta vez que o trabalho de Rosi foi reconhecido em Veneza, tendo ganho, entre outros, um prémio FIPRESCI em 2010. Alfonso Cuarón, Paul Schrader ou Kim Ki-Duk apresentaram os seus mais recentes filmes fora da competição.

Leão de Ouro: Sacro GRA (Gianfranco Rosi)
Leão de Prata: Miss Violence (Alexandros Avranas)
Grande Prémio do Júri: Stray Dogs (Tsai Ming-Liang)
Taça Volpi de Melhor Actor: Themis Panou (Miss Violence)
Taça Volpi de Melhor Actriz: Elena Cotta (Via Castellana Bandiera)
Melhor Argumento: Steve Cogan, Jeff Pope (Philomena)

sábado, 7 de setembro de 2013

FOTOGRAFIAS: Christopher Maloney

O homem do título é um jornalista nova-iorquino que, um belo dia, tomou consciência da quantidade de locais dados a conhecer ao mundo através do cinema por que passava na sua caminhada para o trabalho e decidiu iniciar uma colecção de fotografias que evidenciam isso mesmo. O seu projecto FILMography tem já vários trabalhos, dos quais destaco aqui alguns, basicamente aqueles sobre filmes de que gosto bastante, muito ou imenso, vejam lá se os reconhecem a todos!








Podem ver mais aqui.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Zero Dark Thirty (Kathryn Bigelow, 2012)

Kathryn Bigelow e Mark Boal regressam ao cenário da geopolítica num mundo pós-11 de Setembro com um filme sobre a busca e morte de Osama Bin Laden, adequadamente apelidada de a maior caça ao homem de sempre, tendo-se prolongado por 10 anos, decorrido em simultâneo com duas guerras e envolvido um sem número de meios materiais e humanos. Em comum com The Hurt Locker temos a estrutura episódica do argumento, aqui inclusivamente separados por subtítulos, a falta de arcos dramáticos na construção das personagens, realçando o compromisso total que estabelecem com os seus trabalhos, e o realismo irrepreensível. Felizmente, em Zero Dark Thirty nada disto é atabalhoadamente direccionado para uma mensagem confusa no final nem se torna repetitivo ou frouxo à medida que o tempo avança.

O âmbito é extenso, passando com agilidade de actos públicos marcantes, como aquele dia de 2001 em Nova Iorque, usando apenas gravações reais de chamadas feitas das torres e dos aviões sobre um ecrã negro, o atentado ao hotel Marriot em Islamabad ou as bombas de Londres em 2005, para cenas de trabalho de investigação exaustivo por vezes tão desesperantes quanto as outras (efeito conseguido com a mesma eficácia que em casos exemplares como All The President’s Men ou Zodiac), criando expectativa quanto a um desfecho já sobejamente conhecido, o cerco ao complexo de Bin Laden no Paquistão em 2011, que encaixa em ambas essas facetas e é, efectivamente, um momento de enorme tensão e excelência técnica.

Nunca vemos a cara do líder da Al-Qaeda e a reacção de Maya, a estóica operacional da CIA que abdica de ter uma vida própria para o encontrar, quando o corpo é levado ao seu encontro num saco de plástico para reconhecimento visual, não resolve nada, apenas assinalando que a missão foi completada e permitindo finalmente, ao fim de tanto tempo gasto e sangue derramado, uma amostra de humanidade em estado bruto sob a forma de um ataque de choro, ainda assim sem o mínimo de sensacionalismo, sem música, sem discursos bonitos e sem, sequer, a proximidade de alguém para a reconfortar.

The Hurt Locker até podia ser bastante competente, mas não lhe deslindo uppercuts como este; a secura de Zero Dark Thirty impressiona, tornando-se importante manter a cabeça fria para não interpretar as cenas de tortura, os tiros à queima-roupa na Operação Lança de Neptuno ou a corruptibilidade dos informadores árabes como mais do que uma tentativa de retratar o que aconteceu (ou fomos ditos que aconteceu, dirão os mais cépticos). Da vingança à justiça vai um longo caminho e este filme não entra nessa discussão (para isso já tivemos Munich uns anos antes). Assim, com clareza e sem compromissos, o estilo de Bigelow, a escrita de Boal e o talento de Jessica Chastain fundem-se com o negrume e a gravidade da situação e atingem aqui os seus melhores momentos até agora.

9/10

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

TOP5: Terrorismo

05. The Hamburg Cell (Antonia Bird, 2004)
Desde Setembro de 2001 que o terrorismo passou a ser uma realidade mais palpável e assustadora para quem vive em países ocidentais. Ainda que a influência de alguns grupos pareça, ao fim de mais de 10 anos, ser hoje mais residual, a ameaça ainda está bem presente. Este filme em particular foca-se na preparação de alguns dos sequestradores do United 93, mostrando-os como pessoas com rotinas e empregos normais (ainda que com convicções destrutivas) e não apenas como monstros ininteligíveis sem história, retrato que causou bastante polémica. Uma grande interpretação de Karim Saleh.

04. Path To Paradise (Leslie Libman, Larry Williams, 1997)
Em 1993 ocorreu o prelúdio do 11 de Setembro: uma carrinha armadilhada explodiu na cave do WTC, matando 6 pessoas, acontecimento patrocinado pela Al-Qaeda. Ver este filme depois de 2001 é enervante por ser tão óbvio o aviso que ficou dado, com a incompetência das autoridades competentes a ganhar protagonismo, sem que nada tenha sido realmente feito.

03. United 93 (Paul Greengrass, 2006)
O voo que se despenhou na Pennsylvania é uma história dramática de coragem face à morte certa. No seu estilo documental típico, Greengrass filma aqui um dos filmes mais intensos que já vi.

02. Zero Dark Thirty (Kathryn Bigelow, 2012)
Mais cedo ou mais tarde, a procura e morte de Bin Laden daria um filme. Zero Dark Thirty é um triunfo a nível técnico, que cobre toda a investigação com grande realismo e gravidade, permitindo a Jessica Chastain, pelo caminho, uma enorme interpretação.

01. Munich (Steven Spielberg, 2005)
Haverá algum filme a explorar com tanta profundidade e intensidade a espiral de violência gerada pelo terrorismo e a vingança, que por sua vez gera mais terrorismo e vingança? Neste filme não há inocentes, não há compromissos, é o filme mais maduro e mais complexo de Spielberg.