sábado, 2 de março de 2013

Beasts Of The Southern Wild (Benh Zeitlin, 2012)


Quando um filme se apresenta com uma narradora infantil a debitar tiradas simples mas filosóficas sobre a natureza e os corações das suas criaturas enquanto a câmara procura incessantemente o movimento das árvores, da água e do fogo-de-artifício que a rodeiam, é difícil não pensar em Terrence Malick, para quem o lugar da humanidade no universo e a relação entre ambos são fontes de constantes dilemas, alguns dos quais demasiado esotéricos para terem explicação empírica.

No entanto, Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) não questiona, apenas afirma. Na sua inocência, absorve o que vê e o que ouve, criando a sua versão dos factos da vida, como qualquer criança, o que dá a Beasts Of The Southern Wild um tom de fantasia optimista que Benh Zeitlin torna surpreendentemente compatível com o cenário pantanoso do Louisiana, à mercê da influência da industrialização e das alterações climatéricas, onde habitam comunidades à margem da sociedade.

Apesar das catástrofes que se sucedem, a sua perspectiva é inalterável, ficando nas mãos do espectador destrocar a precariedade das condições na comunidade da Banheira, onde há uma montanha de lixo por cada cipreste exuberante, a morte da mãe, apesar de Hushpuppy estar convencida que ainda a vai encontrar um dia, e a desconsideração que o pai tem pelas autoridades e pela sua própria saúde, deixando a filha frequentemente à guarda de terceiros ou ao acaso.

Não é propriamente má parentalidade, mais a necessidade angustiante de preparar a pequena para a possibilidade da orfandade e o quotidiano natural de um mundo algo perdido, numa época nunca especificada, que tem tanto de idílico como de duro, onde as crianças andam ao ar livre, sabem que os caranguejos são comestíveis mas também seres vivos como elas, e onde pode haver pobreza material, mas nunca espiritual. Acima de tudo, este mundo pertence a Hushpuppy, e não o contrário.

O realismo mágico de Zeitlin é de uma alegria melancólica consistente, ainda que a forma nem sempre seja a mais interessante. As câmaras de mão frenéticas às vezes não permitem processar as imagens nem encontram os melhores ângulos e a sequência do bar de alterne flutuante dá uma conclusão sofrível à ideia de que a menina precisa da mãe. A jovialidade de Zeitlin é de louvar e certamente que o seu melhor cinema ainda está para vir.

7/10

3 comentários:

  1. A grande surpresa indie do ano passado. Grande representação da Wallis. Concordo com o que dizes, com excepção no que à cena do bar flutuante diz respeito. É uma das mais belíssimas cenas do filme e um importante ponto de viragem no modo como Hushpuppy e as outras miúdas se afirmam perante o mundo.

    Cumprimentos,
    Rafael Santos
    Memento mori

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  2. Creio que a magia desse filme se dê pelo fato do roteiro ser tão profundo, se não questiona afirma os questionamentos anteriores.

    Belo texto!

    Abraço

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  3. O que eu percebi foi que a mãe da Hushpuppy já estaria morta, mas parece que nem toda a gente faz essa ligação. Seja como for, é uma forma sofrível de dar uma conclusão à ideia de que a menina precisa de uma mãe, que está longe de ser o melhor do filme de qualquer forma. Obrigado pelos comentários!

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