domingo, 24 de fevereiro de 2013

A Separation (Asghar Farhadi, 2011)


A Separation esteve quase para ser abortado, depois do seu realizador ter exprimido saudade e simpatia por colegas conterrâneos expatriados pelas suas convicções políticas. Amenizada a situação, e graças a financiamento americano, acabou por ver a luz do dia, ganhando o Urso de Ouro de Berlim e o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2012. Como um dos outros nomeados aquando desta segunda distinção era o israelita Footnote, o mesmo governo iraniano que inicialmente censurou Asghar Farhadi, congratulou-se com mais uma vitória, desta vez cultural, sobre o sionismo. Ai está a teocracia de Ahmadinejad em súmula.

Mas pontapeemos estas minudências para longe, porque como dizia Chantal Akerman "um filme é um filme é um filme". O título é auto-explicativo, Simin e Nader, casados há 14 anos, estão em rota de colisão. Ela quer emigrar por umas razões, ele quer ficar por outras. Termeh, a filha menor, está no meio do furacão engendrado pelos pais e também tem legalmente voto na situação. Já o avô, está completamente alheado por ter Alzheimer e ser bastante dependente. Isto tudo é discutido num long take que define o tom logo de início: pouco na vida é preto e branco.

Pensem num kitchen sink drama (onda inglesa dos anos 60) mas em Teerão. A lei árabe tem incompatibilidades com as sociedades ocidentais, sendo a mais óbvia a sinergia entre estado e igreja, e a entrada em cena de outro casal de origens mais modestas expõe muitas falências. Os maiores conflitos são, ex aequo, os do quotidiano e os judiciais, e, de uma forma ou de outra, as frustrações abrem caminho a más escolhas, mentiras e sentimentos de culpa. A Separation é uma bola de neve que testa as convicções morais de adultos que nem sempre têm noção do efeito das suas incongruências nas crianças.

A clareza da economia de meios e da linguagem de Asghar Farhadi é incisiva, e torna-se desolador ver a inocência de Termeh espezinhada por exemplo quando pergunta ao pai se mentiu ao juiz durante o processo em que é acusado de mandar uma mulher grávida escadas abaixo e este esquiva-se, depois confessa e no fim assume-se pronto a voltar atrás nas suas declarações se a filha assim o quiser, mas, para que conste, irá para a prisão entre 1 a 3 anos. As suas dúvidas são legítimas mas não merecem ser deixadas à consideração de uma rapariga que já está a ser forçada a escolher entre dois lares.

Todavia, a situação é muito injusta e é alimentada pela dor do outro casal, que procura um subterfúgio para um aborto acidental. As circunstâncias estão em constante mutação, sendo impossível definir heróis e vilões, apenas grandes actores, que fornecem às personagens o realismo e o humanismo que o filme requer. O Corão aparece em todo o lado, mas a Bíblia também tem algo a dizer sobre não julgarmos para não sermos julgados, não condenarmos para não sermos condenados, perdoarmos para sermos perdoados. Afinal, há certos conceitos que são universais.

9/10

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