segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Re-Animator (Stuart Gordon, 1985)

A história original de H.P. Lovecraft que deu origem a Re-Animator não é considerada uma das suas melhores, mas a verdade é que, muito por causa deste filme, é hoje das mais conhecidas. E porque não? A estreia de Stuart Gordon na realização é visceral, multidimensional e recheada de momentos inesquecíveis no sempre criativo plano do cinema de terror. O conto de um médico brilhante e obsessivo que desenvolveu um soro com o poder de ressuscitar os mortos é extremamente sangrento, afinal uma das personagens transforma-se numa espécie de zombie decapitado que carrega a sua cabeça nas mãos.

Porém, Re-Animator é muito mais do que um festim gore. O duelo entre Herbert West e Carl Hill é um manancial das falhas de carácter que, por vezes, se tornam na parte mais visível das grandes mentes, desde arrogância extrema a perversões sexuais. Quando os avanços da ciência acarretam dilemas morais, até que ponto se deve desafiar as convenções, contribuirão todas as descobertas para a melhoria de vida e serão os senhores doutores que passam o tempo fechados em escritórios e laboratórios os melhores juízes das suas próprias responsabilidades e das consequências dos seus trabalhos?

Dan Cain representa uma perspectiva mais romântica do mundo da saúde, provavelmente seguiu essa área porque queria salvar pessoas e curar doenças, diverte-se a namorar a filha do director da faculdade e é ingenuamente arrastado para cenários que o ultrapassam. Tanto no início como no fim vê uma mulher morrer-lhe nos braços na sala de emergência, o filme rejeita uma resolução pacífica e acaba quando o espírito de Cain é quebrado, ainda que seja o que menos sofre fisicamente. A violência exagerada também dá azo a algum humor negro, só que é este pessimismo implacável que o eleva.

Inspirado pela série de adaptações que Roger Corman fez de Edgar Allan Poe, Stuart Gordon voltou a Lovecraft várias vezes, incluindo um ano depois com From Beyond, onde até repetiu os actores Jeffrey Combs (sempre intenso) e Barbara Crampton (sempre em forma). No entanto, só em Re-Animator é que alguém é aprisionado por intestinos rastejantes. As mutações corporais e os ambientes claustrofóbicos obrigam-nos a um exercício crítico perante as evoluções da medicina, relembrando que os códigos de ética foram escritos e são subscritos por humanos, não sendo, por isso, infalíveis.

8/10

domingo, 22 de dezembro de 2013

TCN Blog Awards 2013

Eis que chega Dezembro e, com ele, o frio, o Natal, as rabanadas (de forno e, por vezes, de vento) e também mais uma edição dos TCN Blog Awards, os prémios preferidos da blogosfera nacional de entretenimento e da eurodeputada Edite Estrela, que marcou presença enquanto convidada, bem como a actriz Ana Moreira, a directora da revista Empire Sara Afonso, os jornalistas Vítor Moura, Joana Latino e Rita Marrafa de Carvalho, os filhos de Rita Marrafa de Carvalho, entre outros.

Como sempre, a condução do evento pelo Manuel Reis é um verdadeiro "tour de france" de comédia, energia e improviso e, mesmo que o seu podcast no TVDependente não tenha sido nomeado para Melhor Iniciativa este ano, a sua boa disposição é contagiante e essencial. Podia era ter avisado que me ia chamar a palco para uma rábula adaptada d'O Preço Certo em Euros. Não por eu ter problemas em encarar o público, apenas porque me tinha dado tempo de comprar um queijo da Serra para lhe oferecer.

Continua a ser um orgulho e uma surpresa ver o meu nome entre os nomeados mais uma vez na categoria de Melhor Crítica de Cinema, aquela que premeia o que mais gosto de fazer, escrever sobre filmes. Em três anos fui nomeado quatro vezes, o que, a juntar à excelente reposta que recebi dos meus colegas bloggers e que recebo de vocês, seguidores, regularmente, me deixa humilde. Muitos parabéns à Catarina D'Oliveira pela vitória com um texto sobre o Side Effects no Close-Up.

Estendo a mesma saudação aos restantes vencedores, com uma ressalva especial também para o Tiago Ramos (Split Screen), os irmãos Teixeira (Caminho Largo) e a Sofia Santos (girl on film), meus colegas no Círculo de Críticos Online Portugueses (CCOP), por terem levado uma claquete para casa cada. A organização foi inexcedível, e, tirando alguns problemas técnicos da praxe (se bem que desta feita tenha sido possível ver e ouvir as curtas planeadas, Branco e M Is For Macho), tudo correu às mil maravilhas.

Uma última palavra de apreço para o Francisco Rocha (My Two Thousand Movies) pela companhia e a boleia antes da cerimónia, aos irmãos Teixeira, que, comigo, formaram uma secção exclusiva a engenheiros no auditório, ao Nuno Reis (Antestreia) pela paciência durante o jantar (juntamente com o Manuel Reis, a Rita Santos do Not a film critic e o irmão Manuel) e a viagem de regresso, e à CP, que bem podia ser um dos patrocinadores dos TCN Blog Awards. Talvez assim a minha viagem fosse mais barata!

Vencedores:
Blogger do Ano: Aníbal Santiago (Rick's Cinema)
Melhor Blogue Individual de Cinema: Caminho Largo
Melhor Blogue Colectivo de Cinema: À Pala de Walsh
Melhor Blogue de TV: TVDependente
Melhor Novo Blogue: A Janela Encantada
Melhor Crítica de Cinema: Side Effects (Close-Up)
Melhor Artigo de Cinema: Terror no Cinema (Movie Wagon)
Melhor Iniciativa: Um Filme, Uma Mulher (girl on film)
Melhor Rubrica: Brain-Collection (brain-mixer)
Melhor Reportagem: Fantasporto 2013 (Split Screen)
Melhor Entrevista: Sasha Grey (À Pala de Walsh)
Melhor Site: APS Portugal
Prémio Memória: Cláudia Arsénio (Wasted Blues)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Mrs. Miniver (William Wyler, 1942)

Quando Winston Churchill declara que um certo filme fez mais pelo esforço da Inglaterra na Segunda Guerra Mundial do que uma esquadrilha de navios, não há muito a acrescentar. Estou a falar de Mrs. Miniver, um melodrama sobre uma família burguesa que vive pacificamente nos arredores de Londres e é indelevelmente afectada pelo conflito. Como diz o padre da paróquia local, entretanto destruída por ataques aéreos, mas cheia como sempre, o povo foi chamado a participar, por força das circunstâncias, pela dimensão da destruição e pela ameaça do totalitarismo nazi, e não está no seu carácter fraquejar nestes momentos.

Apesar de a produção ser americana (os mais atentos repararão nos bamboleantes sotaques), aquilo a que se convencionou apelidar de qualidade britânica faz algum sentido aqui: a contenção sólida a todos os níveis e a atenção ao detalhe, sem grandes inovações e simplesmente funcional, dão ao filme o charme que um melodrama sofisticado requer. Começa suavemente, com episódios da vida privilegiada que Vic, o filho mais velho dos Minivers e aluno de Oxford, critica por serem prova da perpetuação do regime feudal, sempre com as mesmas famílias no topo e na base da pirâmide.

Ironicamente, quem lhe chama a atenção para a sua inacção para ajudar os menos desafogados e afortunados é Carol Beldon, a herdeira da referência aristocrática do burgo. Vic apaixona-se por ela, e ainda bem, pois é uma vantagem ter ao nosso lado alguém que nunca se coíbe de dizer a verdade. Aos poucos, a sombra da guerra substitui as compras na baixa, os bailes informais e os concursos de flores e, talvez por querer fazer algo pelo bem comum mas também proteger o que conquistou a nível pessoal, Vic alista-se na Royal Air Force. Ao mesmo tempo, o pai é um dos muitos civis convocados a participar na batalha de Dunkirk.

A importância histórica do filme advém da assumida intenção de Wyler em envolver os EUA na guerra, por acreditar que a luta do Reino Unido era valorosa mas a força nazi tinha de ser combatida com mais aliados. As motivações alemãs e a perigosidade dos seus ideais são vincadas pela raiva, talvez exagerada, talvez não, dum piloto perdido e a monte que entra na casa dos Minivers; é um momento tensíssimo a vários níveis. Efectivamente, a simpatia dos americanos por esta causa aumentou e o próprio realizador voluntariou-se para o exército a seguir, estando ao serviço quando ganhou o Óscar da categoria (o primeiro de três).

É interessante verificar a evolução do cinema em menos de uma década. Cavalcade tinha sido eleito o melhor do ano pela Academia em 1934 - ainda muito influenciado pelo teatro e com uma fotografia deficitária, essa saga familiar britânica está a milhas desta posterior, a nível técnico (o selo de qualidade William Wyler não falha) e de representação (Greer Garson e Teresa Wright em especial têm cenas conjuntas exigentes, que lidam com uma classe à parte). Os créditos finais aparecem, mas o maior conflito armado de sempre estava ainda longe de terminar…

8/10

domingo, 15 de dezembro de 2013

sábado, 14 de dezembro de 2013

CURTAS: Castello Cavalcanti (Wes Anderson, 2013)

Wes Anderson volta a intercalar uma curta entre duas longas-metragens, desta vez emprestando o seu estilo à Prada, outra marca com valores estéticos reconhecidos. O tom cómico sem expressão e os cenários originais estão sempre em destaque, os movimentos de câmara precisos e contínuos também. Uma pequena maravilha.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Grand Hotel (Edmund Goulding, 1932)

Os hotéis são sítios fascinantes: tenham mais ou menos requinte, estejam melhor ou pior localizados, sejam modernos ou antiquados, o simples facto de tanta gente viver temporariamente e deixar um bocado de si em cada quarto, que são imediatamente arrumados de forma a obedecerem a padrões estandardizados de limpeza e aspecto para se parecem como novos outra vez, torna-os como que um depósito de memórias que não deixam vestígios. O músico Moby passou tanto tempo neles que acabou por lhes dedicar um álbum. Umas quantas décadas antes, já alguém fazia uma soliloquia semelhante em Grand Hotel.

A cidade é Berlim. O período é o intervalo entre as duas Guerras Mundiais. Em modo proto-filme-mosaico, várias personagens, quase todas apresentadas numa montagem de telefonemas a ocorrerem em simultâneo nas cabines da recepção, intersectam-se no espaço do título, do qual nunca saímos. Preysing (Wallace Beery) está prestes a vender a sua empresa para mascarar a falência, Kringelein (Lionel Barrymore) é um doente terminal que se entregou à vida loca, Grusinskaya (Greta Garbo) é uma bailarina idiossincrática, von Geigern (John Barrymore) é um larápio com estilo e Flaemmchen (Joan Crawford) é uma estenógrafa boémia.

O que os une, mais do que os encontros e desencontros que se vão sucedendo, é o dinheiro. Não se pode dizer que o filme seja anti-capitalista ou anti-materialista, até porque apresenta com entusiasmo um mundo luxuoso de acesso muito restrito, porém tanto a falta como o excesso dele têm um poder corruptível, levando Preysing a abdicar da sua moral, o barão von Geigern a pôr em risco o amor e apenas trazendo alegria a Kringelein porque este decidiu estourá-lo sem preocupações enquanto pode. No fundo, quando decide partir para outro Grand Hotel, percebemos como tudo é fútil perante a solidão e a morte.

É difícil negar que o filme está datado, como se pode notar especialmente no romance entre o barão e Grusinskaya, que fala sozinha de forma dramática, encontra um estranho escondido no quarto e pimba, apaixona-se por ele. Inovador na época pelos sets construídos (há uns planos magníficos no início que demonstram porquê) e pelo cast (as estrelas são muitas e parecem competir saudavelmente, para benefício do filme, pela interpretação mais memorável - pessoalmente, adoro a frescura de Crawford), o ritmo inconstante fere-o ligeiramente. Resta-lhe ainda muito, muito charme. Afinal, vê-se tanto num grande hotel.

6/10

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

TRAILERS: Inside Llewyn Davis (Ethan Coen, Joel Coen, 2013)

Três anos depois de True Grit, o próximo filme dos irmãos Coen está, finalmente, quase a chegar. Ambientado na cena de música folk dos anos 60 nova-iorquina, cidade repleta de cafés, clubes, boates e cabarets, Inside Llewyn Davis desvia-se dos neo-noir e meandros do crime da maioria dos filmes da dupla, mas a escrita e a realização precisas parecem adaptar-se bem à mudança de cenário. Confesso o meu apreço pelos Coen e estou muito curioso para ver o que prepararam desta vez.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

LISTAS: Cahiers Du Cinéma (2013)

Como é habitual, a conceituada revista francesa Cahiers Du Cinéma publicou o seu top10 do ano, que inclui bastantes surpresas e nomes menos óbvios. Este ano sem portugueses e com um repetente de 2012, Hong Sang-Soo.

  1. Stranger By The Lake (Alain Guiraudie)
  2. Spring Breakers (Harmony Korine)
  3. Blue Is The Warmest Color (Abdellatif Kechiche)
  4. Gravity (Alfonso Cuarón)
  5. A Touch Of Sin (Jia Zhangke)
  6. Lincoln (Steven Spielberg)
  7. La Jalousie (Philippe Garrel)
  8. Nobody's Daughter Haewon (Hong Sang-Soo)
  9. You And The Night (Yann Gonzalez)
  10. La Bataille De Solferino (Justine Triet)

domingo, 24 de novembro de 2013

A Promessa (António de Macedo, 1973)

Uma carroça atravessa as dunas e chega a uma aldeia piscatória, perdida na areia e no tempo. Dois ciganos procuram ajuda médica para o irmão que foi esfaqueado, mas ninguém nas redondezas está qualificado para os ajudar a esse nível. O sacristão da capela, José, e a família oferecem-lhe asilo e comida, que acreditam ser suficiente, já que as feridas não parecem ameaçadoras. Enquanto esperam por melhorias, os outros instalam-se com uma tenda numa praia próxima e rapidamente se empenham em sacar dinheiro vendendo relíquias pagãs aos locais, aproveitando-se da sua pouca instrução e da sua fé, que tanta preponderância tem sempre nestas comunidades.

A presença dos estrangeiros deixa de inspirar desconfiança para passar a representar medo quando estes raptam uma jovem e desaparecem, não se coibindo de deixar o irmão para trás, que desde o início demonstra ter outro tipo de morais e atitudes. À medida que vai recuperando as suas forças prepara-se para os confrontar, nem que isso implique violência, estabelece amizade com quem o acolheu e muda-se para um moinho velho, talvez por querer a distância que a sua etnia normalmente procura, talvez por não querer estorvar e muito menos dar azo a burburinhos sobre a ajuda que recebe de Maria enquanto o marido José está no mar, especialmente quando toda a gente sabe da promessa…

Nas vésperas do seu casamento, o casal fez um voto de castidade, na esperança de o pai dele conseguir voltar a terra durante uma tempestade particularmente violenta. Um ano volvido, a falta de envolvimento físico parece ter conduzido a relação para um impasse. Grato a Deus por ter afastado a tragédia, ele não pondera voltar atrás com a sua palavra, nem mesmo tendo o aval do jovem padre João, que considera mais importante salvar o matrimónio. A religião é indissociável da aldeia, mas os sacrifícios em nome dela são feitos de claras contradições terrenas. O padre antigo admite, por exemplo, ao mais novo que até a igreja se rege pelo dinheiro e há que aproveitar a festa de S. Pedro para ganhar algum. Qual é a diferença para os ciganos?

Como Pasolini, António de Macedo consegue criar um mundo muito próprio, ermo e ventoso, que quase parece ter sido fabricado para o filme. Os travellings vacilantes e a mistura de som, com os diálogos de umas cenas a intrometerem-se noutras, criam um sentimento visceral de confusão e incerteza que ultrapassa os desenvolvimentos da história e reflecte a postura católica típica relativamente à sexualidade. O realizador, no último plano, estaria, acredito, consciente da polémica que certas imagens provocariam e joga com a forma como a vilificação da nudez no cinema chega a sobrepor-se, infamemente, ao impacto de uma morte, como se o coito fosse um pecado maior que o assassínio. A Promessa é inconfundivelmente português.

8/10

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

CITAÇÕES: The Life Of Emile Zola (William Dieterle, 1937)

Emile Zola (Paul Muni): Think of it, thousands of children sleeping peacefully tonight under the roofs of Paris, Berlin, London, all the world, doomed to die horribly under some titanic battlefield, unless it can be prevented. And it can be prevented! The world must be conquered, not by force of arms, but by ideas that liberate. Then we can build it anew. Build for the humble and the wretched.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Green Street Hooligans (Lexi Alexander, 2005)

Um excelente filme sobre o fanatismo do futebol, sem deixar de celebrar a beleza do espectáculo em si. Esta brilhante música foi composta e interpretada por Terence Jay, actor que faz de Jeremy Van Holden, o colega de quarto de Matt Buckner (Elijah Wood) em Harvard que é a razão pela qual este é expulso da universidade e vai para Inglaterra.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Wings (William A. Wellman, 1927)

Wings detém a distinção de ter sido o primeiro vencedor do Óscar de Melhor Filme, o que por si só lhe garante um lugar nas memórias de Hollywood. A história de dois jovens da mesma terra, apaixonados pela mesma mulher, que se alistam na força aérea para combater alemães na Europa pode parecer familiar, ou não tivesse servido de inspiração para outro sucesso de bilheteira mais recente, Pearl Harbor (Michael Bay, 2001). Com mais ou menos pieguice, essa é uma prova de que o melodrama tem uma qualidade intemporal, mas felizmente há pontos de maior interesse para além de pequenas curiosidades.

Com efeito, a fotografia deste filme é incontornável – constatar que a gravação das mais complexas manobras da aviação de guerra imaginárias, a quilómetros de altitude, foi possível no ano em que finalmente se conseguia juntar som à imagem numa sala de montagem com os pés bem assentes na terra é surpreendente. Seria de esperar que a segunda fosse mais simples, mas as câmaras montadas nos cockpits e controladas à distância inventadas por William A. Wellman e o director de fotografia Harry Perry, usadas em cerca de trezentas horas de voo, proporcionam ainda hoje um excitante espectáculo de cinema mudo.

O realizador tinha apenas 29 anos quando foi escolhido pela Paramount, em grande parte devido à sua experiência como piloto durante a Primeira Guerra Mundial, e talvez se possa dizer que essa conjugação de factores tenha dado um empurrão essencial para uma carreira com personalidade vincada. O seu espírito desafiante e a sua sensibilidade contida provaram ser uma conjugação rara, dando origem a clássicos como The Ox-Bow Incident ou The Public Enemy, onde o perfeccionismo técnico não se separava de preocupações morais associadas à violência ou histórias de sobrevivência.

A paixão por voar e as dinâmicas de grupo masculinas ganham destaque com Wellman, pelo que Wings, apesar de ser mais uma encomenda do que um filme de autor, ficando patente que já em 1927 os triângulos amorosos e os efeitos visuais eram puxados para a linha da frente, tem, então, indelevelmente, a sua marca. Mesmo com a presença de Clara Bow, rainha do grande ecrã na altura, é mais interessante a amizade entre Jack e David, que acaba com um beijo de reconforto e admiração que certamente não passaria pelo Hayes Code, e as cenas de guerra, mais amplas e menos realistas que as de All Quiet On The Western Front em 1930.

7/10

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

TRAILERS: Magnolia (Paul Thomas Anderson, 1999)

O terceiro filme de Paul Thomas Anderson continua a ser um grande épico do quotidiano, repleto de momentos únicos, masterclasses de interpretação e planos virtuosos. Sempre gostei deste trailer, que o próprio realizador fez, beneficiando da liberdade total que lhe foi dada na altura.

domingo, 10 de novembro de 2013

My Fair Lady (George Cukor, 1964)

Os anos 1960 foram a última época dourada do musical em Hollywood, basta ver que nessa década foram quatro os vencedores do Óscar de Melhor Filme que se inserem nesse género e, desde então, houve apenas Chicago. Não sendo o maior fã de ver pessoas começarem a cantar de cada vez que algo minimamente relevante, positivo ou negativo, lhes acontece, forçando rimas e falhando o playback, há sempre excepções. My Fair Lady não é uma delas e as razões vão muito para além dessa questão.

Rex Harrison interpreta um pretensioso mestre da fonética, aparentemente desempregado mas rico, que dedica os dias a adivinhar a proveniência de quem encontra na rua através dos seus sotaques. Em Londres consegue colocar alguém a uma distância máxima de dois quarteirões donde moram, o que seria cómico se não fosse totalmente irrealista e irrelevante. À saída da ópera, atura uma vendedora de flores com voz particularmente esganiçada que nem a fuligem na cara oculta ser Audrey Hepburn.

O professor Higgins comenta na altura com um amigo, o coronel Pickering, que conseguiria fazer da rapariga, a quem dá uma boa esmola (talvez por masoquismo tenha gostado de ser levado à irritação), uma duquesa, se tentasse. Eliza Doolittle ouve, leva as palavras demasiado a sério e no dia seguinte aparece à porta do homem com o intuito de pagar por aulas de dicção, para, no mínimo, poder subir na vida até florista numa loja. Tratada como lixo, aceita submeter-se a todo um curso de boas maneiras.

O que a conquista são os chocolates que o professor lhe oferece quando ela se preparava para bater a porta, vexada. Sim, porque toda a gente sabe que as mulheres não resistem a bombons e nada tem mais piada do que vê-las sujeitarem-se a abusos psicológicos por velhotes que não têm nada para fazer só para terem essa recompensa. Bem, o pai de Eliza aparecer em casa de Higgins para exigir 60 libras para álcool e deixar a filha entretanto a morar lá parece ser pelo menos tão engraçado para o argumentista.

Ainda assim, uma música com as empregadas como coro diz-nos que devemos sentir pena do doutor, porque odeia a coitada que se sujeita a quase tudo para que ele satisfaça o seu complexo de superioridade mas perde horas de sono para a transformar numa senhora. Infelizmente, o filme gera um conflito de intenções ao pôr Hepburn com vontade de matar o seu malicioso patrono. Apesar de tudo, ninguém a está a obrigar a nada. Tem roupas e calorias à borla. Mesmo que por capricho dele, não está mau.

Eliza pronuncia bem, ao cabo de meses, a lengalenga “the rain in spain stays mainly in the plain”, segue-se uma música que consiste apenas dessa frase com a ordem das palavras trocada (porque rima sempre, que esperteza!) e outra sobre dançar à noite (wtf?) e assim sabemos que está pronta para ser introduzida na alta sociedade, incluindo ir às corridas de cavalos e ao baile do embaixador, os momentos ideais para a actriz exibir a sua beleza em dois vestidos de designer e conhecer um interesse amoroso.

Interesse que é mais dela, amor mais dele, e só fica a vaga noção de que num futuro para além do argumento pode haver algo entre eles porque o rapaz é tão persistente quanto rico e ingénuo (de tal forma que admite, rimando “before” com “before”, que se apaixonou assim que a menina contou como o pai era um bêbado) e parece dormir no passeio durante dias enquanto a acção se desenvolve, à espera de a rever. Freddy é apenas a segurança de Eliza e, como tal, o mais triste namoradinho da história do cinema.

Com o sucesso que faz nas suas aparições públicas, alimenta o ego de Higgins, que dá o seu projecto por concluído, tornando-se claro que não tem mais planos para a artista anteriormente pertencente às classes baixas. Parece que só ao voltar do baile ela se apercebe de que é descartável e a partir daí temos de ter pena dela, porque, claro, não pode voltar para donde veio. Agora é uma princesinha e tem direito a todos os luxos do mundo, pela simples razão de que passou a estar habituada a isso.

Ao mesmo tempo, por ironia do destino e não por ter recebido auxílio da filha, o seu pai passou também a fazer parte da classe média, mas está insatisfeito porque a vida deixou de ser simples e de consistir de dormir, beber e pedir emprestado. Agora tem de ceder aos vícios e malefícios inerentes à sua nova condição, como casar-se, ir à igreja ou ter de pagar pelo que consome. Como é perigosa e má para a sociedade a classe média, comparando com a nobreza do alcoolismo e da pobreza!

Esse encontro fortuito não muda a relação entre ambos - apenas sedimenta na mente de Eliza a ideia de que não pode voltar atrás. Então, procura a protecção da mãe de Higgins (que deve ter 200 anos, já que ele parece um octagenário) e que se mostra chocada com o facto de o filho ter sido extremamente claro quanto a apenas querer usar Eliza… como se alguém lhe tivesse apontado uma pistola à cabeça e não chocolates. Higgins é um idiota, mas apenas por não ter, pelo menos, sacado um beijo à Audrey Hepburn.

Porque é que isso não acontece? Talvez por ele ser mais gay do que o José Castelo Branco (e pior cantor – a sério, eu a gorgolejar Betadine para a halitose canto melhor que o Rex Harrison aqui). My Fair Lady contém as músicas mais ofensivas para o sexo feminino que eu já ouvi; percebo que o propósito fosse explorar com alguma ligeireza a misantropia do professor, mas o seu assumido desejo de que as mulheres se parecessem mais com os homens roça o ofensivo e cultiva a ideia de que o coronel Pickering deve ser o seu amante.

Depois disto tudo, Higgins tem um momento de fraqueza e canta que precisa daquela asinina, ela que nunca fez nada em casa, que lhe volta as costas, que vira a mãe contra ele e que apenas estorvava a vida do “pobre doutor”. Eliza volta mesmo e sorri perante a sugestão de uma tarefa doméstica. Depois de todos os berros de Hepburn, de se ouvir o sotaque britânico até à náusea durante três horas, das facadas na nobre arte da canção, este momento de silêncio consegue ser o mais irritante do filme.

Pegue-se por onde se pegar, My Fair Lady é um desastre de história, de interpretações, e inclusivamente musical. As duas personagens principais são movidas por um egoísmo feroz, apenas reforçando que não importa de onde se vem, o que importa é a educação que se tem. Eliza é estragada por duas figuras de total incompetência, o pai e o professor, e o resultado é uma mulher brejeira mas peneirenta. Foi por causa de filmes destes que apareceu a Nova Hollywood.

1/10

sábado, 9 de novembro de 2013

TOP5: Neorealismo Italiano

A trilogia de Rossellini, composta por Rome, Open City (1946), Paisan (1946) e Germany, Year Zero (1948) abriu os olhos do mundo para o neorealismo italiano; contudo, é Ossessione (1942), a obra de estreia de Visconti, que vulgarmente é aceite como a génese deste género voltado para a vida do povo e que recusava a artificialidade dos estúdios, consequência de uma maior consciência social e histórica imputada pela destrutiva Segunda Guerra Mundial. De seguida, destaque para cinco obras de realizadores diferentes.

05. Without Pity (Alberto Lattuada, 1948)
Longe de ser dos mais famosos, Without Pity é a história emotiva de uma italiana e um soldado americano negro apaixonados. Dificilmente outro filme mostra com a mesma vividez as indefinições do pós-guerra imediato.

04. The Earth Trembles (Luchino Visconti, 1948)
Apesar de Ossessione granjear mais fama, prefiro The Earth Trembles. Com menos enredo, permite-se a momentos de pura contemplação das rotinas numa aldeia piscatória, um pouco como se pode ver em Stromboli, de Rossellini.

03. The Tree Of Wooden Clogs (Ermanno Olmi, 1978)
Este é de longe o mais recente da lista, mas justifica-se. O estilo de Olmi encaixa na definição do género, até ao pormenor do uso exclusivo de não-actores, e é incrível como um filme de três horas sobre várias famílias que trabalham na mesma quinta no início do século XX se torna tão absorvente pela simples reconstituição de tarefas rurais.

02. Paisan (Roberto Rossellini, 1946)
Paisan é algo atípico - constituído por seis episódios, sem relação entre eles, mas de alguma forma relacionados com a entrada dos Aliados no cenário europeu, é abrangente em temas, períodos, situações e locais. Apesar da estrutura fragmentada, não há qualquer perda a nível de consistência estética, sempre prevalente a vontade de mostrar a condição humana nas situações mais adversas.

01. Bicycle Thieves (Vittorio De Sica, 1948)
Porque é que Bicycle Thieves é tão frequentemente referido como o melhor do neorealismo italiano? Porque a história é intemporal e apresenta dilemas morais imediatamente reconhecíveis e que suscitam respostas ambivalentes. Um homem pobre consegue um emprego, para o qual é essencial a sua bicicleta. Quando esta é roubada em plena luz do dia, o seu desespero e da família, incluindo do filho Bruno, ataca com força o coração. Até onde consegue um homem honesto aguentar quando o mundo parece conspirar contra si? Vittorio De Sica e Cesare Zavattini dão assim origem a um clássico de uma simplicidade desarmante.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

CURTAS: Schwechater (Peter Kubelka, 1958)

O título desta curta advém do nome da cerveja para a qual o austríaco Kubelka devia realizar um anúncio. A demora em entregar um produto final fazia antever algo caro ou grandioso, mas afinal o resultado foi... este! Usando uma câmara sem lente, filmou uma pessoa a beber, montou os frames de formas estrambólicas e reproduziu-os rapidamente e repetidamente, para obter 90 segundos de puro mindfuck.

domingo, 3 de novembro de 2013

The Sound Of Music (Robert Wise, 1965)

A história da freira austríaca que tinha imenso jeito para cantar e para lidar com crianças é das mais conhecidas do cinema. The Sound Of Music é um filme que atravessa gerações e talvez detenha o recorde de repetições na RTP1, quanto muito tendo a concorrência de Ben-Hur para esse título. Por conseguinte, está tão batido que falar nele, quanto mais mencioná-lo como um dos melhores musicais de sempre, tornou-se trivial, e esse é o primeiro passo para o subestimar criminosamente.

Não sou um grande fã do género, que raras vezes me surpreende e me estimula, por isso acreditem quando digo que esta é uma excepção monumental, quase tanto como a cidade de Salzburgo que, encravada no meio dos Alpes com a sua arquitectura barroca e com o seu rio serpenteante, serve de cenário mais que perfeito tanto para as cenas mais citadinas e sombrias como para as cenas mais bucólicas e agrestes. Sim, porque é bom relembrar que, a pairar sobre as baladas e os namoricos, está a ameaça nazi.

Logo de começo, os mais icónicos planos de helicóptero gerados antes de The Shining, que mostram a região com vividez, até se encontrar Julie Andrews de avental no topo de uma colina com os braços abertos, prestes a irromper na canção do título, que nem é a minha preferida. Essa, não só pela esperteza da letra como por ser utilizada em momentos extremamente díspares em termos de tom, é a “Do-Re-Mi”, com a qual Maria, já fora do convento e a fazer de governanta, apresenta a arte aos filhos do capitão von Trapp.

As músicas fazem a ocasião e a grande maioria simplesmente resulta, seja pela alegria da descoberta do amor e da reconstrução de uma família, seja pela tristeza do fim da Áustria como até ali se conhecia. O filme é movido por noções de maternidade – Maria consegue encontrar a sua verdadeira vocação e tornar-se essencial na vida dos sete irmãos, órfãos de mãe e verdadeiros pesadelos para dezenas de amas, ao mesmo tempo que perdem juntos a pátria-mãe, vendo-se mesmo forçados a deixar tudo e a fugir para a Suiça.

Não é fácil equilibrar comédia e drama com esta harmonia; veja-se como a evolução de Rolfe, um moço de recados que aparece regularmente na mansão dos von Trapp para entregar telegramas e cultivar a sua paixoneta (correspondida) por Liesl, a mais velha, acontece com tanta subtileza que no fim se fica mais triste do que surpreendido com os seus actos. Primeiro parece bom rapaz, mas muitas classes abaixo de Liesl. Mais tarde, começa a fazer a saudação da extrema-direita. No fim, denuncia quem antes admirava.

Quando se fala de The Sound Of Music nunca se fala do sabor agridoce que deixa por sabermos que, embora os protagonistas se safem, milhões de pessoas não beneficiaram da mesma sorte, muitos tiveram de aceitar à força cargos na aparelhagem de Hitler, como exigiram a Georg von Trapp, outros foram presos e o resto viu tudo à sua volta ser destruído nos anos que se seguiram. Para mim, é isto que separa o filme, podia mas não acaba no casamento, oferece um final feliz mas vai um pouco mais além do entretenimento.

A realização de Wise é excelente; fico surpreendido com a facilidade com que consegue adaptar-se a géneros diferentes, por ventura à custa duma identidade própria, mas quem filma tão bem boxe (The Set-Up), terror (The Haunting) e musicais merece respeito. Os 70mm de bitola permitem uma grandiosidade memorável, a primeira visão, tirada a regra e esquadro, do interior da casa ou as cenas do festival são exemplos. Sim, The Sound Of Music já deu na TV mais vezes que a Praça da Alegria, mas continua a ser um grande clássico.

9/10

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

LISTAS: Jonathan Glazer

Por ocasião da estreia iminente do novo filme de Jonathan Glazer, uma mescla de géneros com Scarlett Johansson como protagonista chamado Under The Skin, publico esta lista de 2002 dos seus predilectos, onde podemos ver uma tendência para os clássicos. Não é uma lista com grandes surpresas, mas a qualidade é inegável e o eclectismo também, como tem sido a sua (curta) carreira até agora.

  • Andrey Rublev (Andrei Tarkovsky, 1966)
  • 2001: A Space Odyssey (Stanley Kubrick, 1968)
  • Throne Of Blood (Akira Kurosawa, 1957)
  • The Godfather, Part II (Francis Ford Coppola, 1974)
  • Citizen Kane (Orson Welles, 1941)
  • Cries And Whispers (Ingmar Bergman, 1972)
  • 8 1/2 (Federico Fellini, 1963)
  • The Gospel According To St. Matthew (Pier Paolo Pasolini, 1964)
  • Raging Bull (Martin Scorsese, 1980)
  • The Great Dictator (Charlie Chaplin, 1940)

domingo, 27 de outubro de 2013

Rust And Bone (Jacques Audiard, 2012)

Em quase todos os filmes de Audiard um homem e uma mulher de meios diferentes, com profissões muito exigentes fisicamente ou atravessando desafios que desgastam os seus corpos de alguma forma, são unidos pelo destino, cruzam-se casualmente e acabam por encontrar um no outro companhia para seguirem em frente. São filmes que se dispersam em episódios quotidianos das várias facetas da vida de cada até ficar estabelecido um nível de intimidade confortável, o que não é fácil quando, por exemplo, uma personagem acaba de perder ambas as pernas. Ela tem de aprender a viver com isso e o espectador não é conduzido para o choque, mas para a aceitação e o regresso à normalidade.

Dito isto, enquanto via The Beat That My Heart Skipped ou Rust And Bone às vezes tinha de me perguntar onde é que estavam a tentar chegar. Neste segundo, temos Stephanie e Alain, uma treinadora de orcas e um pugilista, que se conhecem quando ela gera uma briga no clube onde ele trabalha como segurança, um primeiro encontro que parece ser algo forçado e ter pouco impacto para ambos. É assim estranho que mais tarde, depois dum acidente de trabalho com um dos animais, Stephanie se sinta compelida a ligar-lhe e que Alain aquiesça a reconfortar uma mulher na qual parece ter pouco interesse, quando no resto do tempo apenas se preocupa em usá-las para satisfazer as suas necessidades sexuais.

Passando isso à frente, a relação de amizade com benefícios que se desenvolve entre os dois até se torna bastante cativante e emocionalmente proveitosa, da perspectiva dela pelo menos, que parece ir retirando forças para lidar com as amputações da promiscuidade e das surras que ele leva em combates ilegais mas bem pagos. As metamorfoses que vai sofrendo são prova disso mesmo, com as próteses mecânicas passa a andar em pé e com outra independência e as mensagens que tatua nas pernas simbolizam um crescendo de resistência mental. Marion Cotillard dá vida a alguém que tenta transformar-se para se adaptar e isso exige discrição, beleza e dignidade q.b., tudo qualidades bem presentes.

A sua excelência contrasta com a unidimensionalidade de Mathias Schonaerts, embora também seja verdade que Alain me deixa indiferente. Viril e arrogante, prejudica a irmã à procura de dinheiro, negligencia o filho e olha com displicência para os primeiros sinais de compromisso que Stephanie lhe dá. Afasta-se do maior combate da sua vida, o de manter uma família, apesar de a possibilidade ser bastante óbvia. Um segundo acidente poderá ser finalmente o ponto de viragem, mas por essa altura já era tarde demais para eu me importar. A escrita de Audiard distancia-me mas há momentos luminosos, como o regresso ao parque aquático, que fazem Rust And Bone valer a pena.

6/10

sábado, 26 de outubro de 2013

TCN Blog Awards 2013

A quarta edição dos TCN Blog Awards está à porta e os nomeados já são conhecidos em todas as categorias. Mais uma vez, o Cinema Notebook em parceria com a Take Magazine organizam o evento do ano no que diz respeito à divulgação, destaque e encontro do melhor da blogosfera dos pequeno e grande ecrãs... e O Narrador Subjectivo aparece nas escolhas para Melhor Crítica! O meu texto sobre o filme Behind The Candelabra (Steven Soderbergh, 2013) é um dos 8 magníficos e a concorrência foi maior do que nunca, tendo havido 83 candidaturas à categoria. Aliás, essa foi a regra deste ano, tendo a adesão sido a mais expressiva de sempre, a que não será alheio o facto de haverem mais categorias.

Fico muito contente com o apoio e reconhecimento que este blogue tem tido desde a primeira hora (já lá vão mais de dois anos), que me continuam a dar motivação para encher ficheiros Word em catadupa. Adoro cinema, adoro falar sobre cinema e ter mais de 100 seguidores, receber convites para ir a festivais e ser nomeado para quatro TCN em três edições mostra-me que há quem goste de me ouvir, o que é um espectáculo, digo eu!

Parabéns também aos meus parceiros em crime do CCOP, sendo que juntos temos umas incríveis 29 nomeações, e aos criadores das iniciativas em que tive o prazer de participar e que se encontram nomeadas, são elas: À Boleia do Caminho Largo, CBA 2013 do André Marques (Blockbusters), O Meu Ciclo do A Janela Encantada e Um Filme, Uma Mulher do girl on film.

Deixo ainda um apelo ao voto, já sabem que se a abstenção for alta os terroristas ganham, por isso passem pelo Cinema Notebook e escolham os vossos favoritos na barra lateral. Agora vou abandonar, que eu tenho uma consulta às cinco horas.

Rock on \m/

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Werckmeister Harmonies (Béla Tarr, 2000)

Dificilmente as palavras podem fazer justiça a um filme como Werckmeister Harmonies; enquanto experiência sensorial, pela beleza da fotografia monocromática, pelo ritmo funerário, pela música emotiva, encontra paralelos apenas na poesia imagética de Tarkovsky, ainda que com uma inclinação para o assombramento. Há um Príncipe, uma baleia, um circo e talvez o mais belo motim da história do cinema. Tudo filmado à distância de um sonho (ou de um pesadelo). São apenas 37 planos-sequência num total de quase duas horas e meia. Tempo bem passado, especialmente numa tarde cinzenta e chuvosa.

domingo, 20 de outubro de 2013

The Good Son (Joseph Ruben, 1993)

Esta pequena pérola de 1993 tem a distinção de juntar Elijah Wood e Macaulay Culkin muito antes das aventuras por Mordor do primeiro e das desventuras com drogas do segundo. Apesar de ambos terem já, por esta altura, uma carreira algures entre o muito positivo e a fama estrondosa, a memória colectiva de The Good Son é difusa e largamente inferior quando comparada com Home Alone ou Radio Flyer, constatação facilmente justificável com o pouco apelativo (por muito comercial que o produto seja) grau de vilificação de uma das crianças.

Psicologia infantil não é um assunto estranho a Ian McEwan – o escritor inglês granjeava sucesso há 15 anos quando escreveu este argumento, e, para quem já leu The Cement Garden (1978) ou The Child In Time (1987), a inovação que se pode encontrar aqui (e que deve ser apreciada por todos) é a multitude de perspectivas sobre as acções e pensamentos de tanto Mark como Henry. Vemo-los como os adultos que os rodeiam os vêem e como eles se vêem um ao outro em simultâneo, surgindo assim conflitos entre o combate e a incredulidade perante uma óbvia fonte de instabilidade.

Lembro-me de um fedelho que chateava tudo e todos no recreio da minha primária mas ia correr a fazer queixinhas às auxiliares quando provava do seu próprio veneno e do filho dum primo em 3º grau ou algo do género que nunca levou as palmadas que devia por me desligar várias vezes a Mega Drive em pleno jogo; passando à frente essas frustrações próprias da meninice e falando honestamente, as crianças conseguem ser cínicas e o potencial sociopata da personagem de Culkin extrapola-o, para nos desafiar com a relatividade da inocência.

Um dos meus momentos cinemáticos preferidos de todos os tempos é quando o jovem de Come And See (Elem Klimov, 1985), um filme sobre a destruidora passagem nazi pela Bielorrúsia (eu prometo uma boa conclusão para esta analogia), dispara contra uma fotografia de Hitler que, depois de várias montagens anti-cronológicas, se transforma num bebé ao colo da mãe, dentro da moldura – esta é a grande implicação, o mal pode ser adquirido, mas poderá também ser genético? Pode alguém ser reles por natureza? Se pudéssemos, mataríamos um assassino antes de ele matar? Quanto antes?

Aqui podemos discutir a irresponsabilidade do final em The Good Son: apesar da forma vertiginosa como é filmado e que faria Hitchcock corar com ciúmes, somos forçados a aceitar uma escolha, quando toda a premissa se baseava na ambiguidade da transformação de uma figura frágil num monstro sem escrúpulos. Hollywood vulgar e simplista. A história não deixa de ser ocasionalmente subdesenvolvida, havendo pouca consideração pela transição entre cenas, mas merecia melhor destino, por todos os riscos que corre e por nos lembrar de que as aparências iludem – e de que maneira.

6/10

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

POSTERS: Re-Animator (Stuart Gordon, 1985)



Tão visionária quanto retorcida, a escrita de Lovecraft continua a ser uma fonte infindável de inspiração para os amantes da fantasia e do terror. O realizador Stuart Gordon começou a carreira com duas adaptações memoráveis dos seus trabalhos. Re-Animator foi a primeira e o tema central continua tão actual como sempre - as mutações corporais, o humor negro e o desfecho cruel realçam a vermelho-sangue a falta de ética na medicina, obrigando-nos a manter um espírito crítico perante as evoluções da ciência, em vez de aceitar cegamente os produtos e tratamentos que nos são impingidos diariamente.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

TRAILERS: Under The Skin (Jonathan Glazer, 2013)

Um dos trailers mais belos e bizarros dos últimos tempos, daquele que será apenas o terceiro filme de Jonathan Glazer. Apesar de ter ficado algo desapontado com a direcção do enredo de Birth, o trabalho a nível de composição é excepcional, especialmente na meia hora inicial, e Sexy Beast continua a ser um dos mais subestimados filmes de máfia de sempre. Glazer assume o ecletismo a nível de géneros e regressa agora via ficção científica.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Spring Breakers (Harmony Korine, 2012)

Com o sol a desaparecer no horizonte, visto de St. Petersburg, no coração de Tampa Bay, James Franco toca, num piano branco colocado, vá-se lá saber porquê, no pátio da sua mansão sustentada por dinheiro da venda de droga, as notas de Everytime da Britney Spears, cuja voz fininha é substituída por uma masculina, desafinada e com um ligeiro sibilar provocado pela boquilha em ouro que lhe cobre a dentição, e três vozes femininas em coro, de três loiras intermutáveis, que envergam máscaras de ski cor-de-rosa com unicórnios na testa e seguram caçadeiras ou metralhadoras, cenário este ocasionalmente entrecortado por assaltos à mão armada com os mesmos protagonistas, um deles num copo-d’água, dando um novo significado à expressão “fura-casamentos”, reproduzidos em câmara lenta, as tranças africanas de Alien a esvoaçar, as glândulas mamárias de Vanessa Hudgens, Ashley Benson e Rachel Korine a abanarem, apenas protegidas por fatos de banho garridos, sangue, praia, tiros, piscinas, cerveja, cús, Mozart, spring break forever, bitches.

8/10

terça-feira, 8 de outubro de 2013

NOTÍCIAS: Sophia 2013

A primeira cerimónia dos prémios Sophia, distribuídos pela recém-criada Academia Portuguesa de Cinema, realizou-se no domingo, dia 6, no Teatro Nacional de São Carlos. Não obstante continuar a ser da opinião de que se podia ter escolhido uma alcunha para o dito troféu que tivesse maior relação com o cinema português do que uma homenagem à poetisa Sophia de Mello Breyner, apoio qualquer evento que valorize a persistência dos realizadores nacionais que conseguem desenvolver trabalhos de reconhecido mérito num país que tão pouco os apoia. Nas 19 categorias competitivas, o maior vencedor foi Florbela, com seis vitórias, apesar de lhe ter escapado Melhor Filme.

Melhor Filme: Tabu
Melhor Realizador: Vicente Alves do Ó (Florbela)
Melhor Actor Principal: Carlos Santos (Operação Outono)
Melhor Actriz Principal: Dalila Carmo (Florbela)
Melhor Actor Secundário: Albano Jerónimo (As Linhas de Wellington)
Melhor Actriz Secundária: Anabela Teixeira (Florbela)
Melhor Argumento Original: Carlos Saboga (As Linhas de Wellington)
Melhor Argumento Adaptado: Bruno de Almeida, Frederico Delgado Rosa, John Frey (Operação Outono)
Melhor Fotografia: Luís Branquinho (Florbela)
Melhor Direcção Artística: As Linhas de Wellington
Melhor Som: Florbela
Melhor Guarda-Roupa: Florbela
Melhor Caracterização: As Linhas de Wellington
Melhor Montagem: Tabu
Melhor Música: The Legendary Tigerman, Rita Redshoes (A Estrada de Palha)
Melhor Documentário: É Na Terra, Não É Na Lua (Gonçalo Tocha)
Melhor Curta de Ficção: Cerro Negro (João Salaviza)
Melhor Curta de Animação: Kali, O Pequeno Vampiro (Regina Pessoa)
Melhor Curta Documental: Raúl Brandão Era Um Grande Escritor (João Canijo)
Prémio de Mérito e Excelência: Manoel de Oliveira

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

POSTERS: American Hustle (David O. Russell, 2013)





Olhem-me bem para estes posters. A sério, olhem bem para isto e digam lá se tanta pirosada junta e tantos bons actores não fazem querer ver esta cena já, imediatamente!

domingo, 29 de setembro de 2013

The Ides Of March (George Clooney, 2011)

Quando Stephen (Ryan Gosling) diz a Mike (George Clooney), governador democrata à procura de apoio suficiente dentro do seu partido para concorrer à presidência dos EUA, em plenas eleições primárias no sempre crítico estado do Ohio, que na política “you can lie, you can cheat, you can start a war, you can bankrupt the country, but you can’t fuck the interns”, vem inevitavelmente à memória o caso Monica Lewinski. The Ides Of March joga com imagens e fantasmas recentes da história daquele país de forma extremamente eficaz, por vezes furtiva, como através da semelhança dos cartazes de apoio a Mike com os de Obama em 2008, tentando projectar à partida uma imagem de um candidato tolerante, moderno, acessível e carismático, que é depois desfeita pela revelação da sua relação extraconjugal com Molly, que trabalha na sua campanha, é filha de um amigo do topo da pirâmide do partido e tem apenas 20 anos.

O filme partilha uma grande clareza de linguagem e um olhar clínico sobre poder e corrupção com clássicos como All The President’s Men, Network e o mais recente Michael Clayton, sendo conduzido por diálogos cuidados, soluções de grande cinismo e personagens com morais ambíguas, à excepção de Stephen… pelo menos no início.

De facto, as descobertas que o jovem faz e as más decisões que toma, ainda que sem malícia, acabam por funcionar como uma bola de neve num enredo que se vai adensando e motivando traições, cobardias e confrontos, funcionando como um ritual de passagem, o fim da ingenuidade e o início de uma carreira com potencial. Enquanto a Philip Seymour Hoffman são permitidos alguns momentos de maior exaltação, como a brilhante cena em que despede Stephen, Gosling e Clooney entram num tête-à-tête sibilino, não menos memorável, de charme e trapaçaria, cada um elevando a sua poker face à perfeição. É imputada ao processo democrático a corrupção como uma inevitabilidade; enquanto eleitores e cidadãos sabemos que tal é possível mas esperamos que não seja certo. Porém, The Ides Of March não deixa espaço para optimismo nem esperança quanto ao futuro, acabando com um dos mais enigmáticos close-ups dos últimos anos.

8/10

sábado, 28 de setembro de 2013

LISTAS: Michael Haneke

Um dos meus realizadores preferidos reitera a sua admiração por Robert Bresson nesta lista dos seus filmes preferidos, bem como outros mestres de um tipo de cinema mais espiritual, como Andrei Tarkovsky.


  • Au Hasard Balthazar (Robert Bresson, 1966)
  • Lancelot Of The Lake (Robert Bresson, 1974)
  • The Mirror (Andrei Tarkovsky, 1975)
  • Saló, Or The 120 Days Of Sodom (Pier Paolo Pasolini, 1975)
  • The Exterminating Angel (Luis Buñuel, 1962)
  • The Gold Rush (Charlie Chaplin, 1925)
  • Psycho (Alfred Hitchcock, 1960)
  • A Woman Under The Influence (John Cassavetes, 1974)
  • Germany Year Zero (Roberto Rossellini, 1948)
  • L'Eclisse (Michelangelo Antonioni, 1962)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

CURTAS: Flying Padre (Stanley Kubrick, 1951)

Uma das três curtas documentais conhecidas de Stanley Kubrick é Flying Padre, que conta a história de um padre que se desloca de avião pelas diversas paróquias do estado do Novo México pelas quais é responsável, muito distantes umas das outras. Nesta altura, o realizador já havia saído da revista Look, onde foi fotógrafo, e dava os primeiros passos no mundo do filme. Esta curta destaca-se pelo tom ligeiro de uma história curiosa.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Behind The Candelabra (Steven Soderbergh, 2013)

Não se pode dizer que a consistência seja uma preocupação para Steven Soderbergh; na realidade, se há alguém em Hollywood que se assume como um autor que prima pela variedade e produtividade é ele, que muda de registo e estilo com uma facilidade impressionante, mesmo que nem sempre com a mesma taxa de sucesso. Ainda assim, se há tema que se pode reencontrar frequentemente na sua filmografia é a sexualidade, não só a forma como a sociedade em geral e certos meios em particular a encaram, rejeitam ou exploram, mas também a forma como as próprias personagens lidam com as suas preferências, actos e escolhas no que a isso diz respeito.

Parte do sucesso de Sex, Lies And Videotape deveu-se à sofisticação com que contrapunha a traição consumada com a verbalizada, pondo duas questões contraditórias, qual delas a pior e qual delas a mais erótica e estimulante? Com The Girlfriend Experience e Magic Mike, vinte anos depois, a realidade é menos restritiva e restam pouco tabus, só que o preço pode ter sido a queda dos compromissos numa relação, secundarizando-se o amor em prol da pura satisfação dos desejos carnais. Comparando com estes exemplos, Behind The Candelabra é mais convencional – a intimidade não é reprimida, os sentimentos são profundos, não descartáveis e o espectáculo é subtilmente revelador, não impudente.

Liberace e Scott Thorson podiam ser um casal tão comum como qualquer outro, não fosse o primeiro o pianista mais famoso de uma América ainda pouco preparada para lidar com a sua homossexualidade, por muito evidente que fosse, e, mais importante para o filme, um homem extremamente inseguro, obcecado com a juventude que lhe foge à medida que as décadas avançam, marcado negativamente pelo poder controlador materno (ainda que a extensão seja pouco clara, são vários os detalhes que apontam para tal, como a referência a liberdade feita por Liberace perante a morte da mãe), incontrolavelmente promíscuo, cheio de amor para dar e medo de o dar a quem não o merece.

A complexidade dos seus números em Las Vegas está a par com a da sua vida privada. Pelas suas contradições e pela exposição que o papel exige, é impossível não admirar o que Michael Douglas faz aqui. Liberace é assumidamente extravagante, mas, em palco com o mais brilhante dos pianos ou em casa rodeado pelos mais luxuosos móveis, a fazer a mais honesta declaração de confiança ou a relembrar nervosamente quem traz o dinheiro para casa, nunca deixa de ser um homem sensível, quer dizer, mesmo nos seus momentos mais irracionais e imprevisíveis, Douglas inspira a compaixão que alguém tão naturalmente altruísta, no fundo, exige.

Matt Damon tem uma particular habilidade para trapaceiros e aproveitadores. Não é que Scott o faça com intenção, mas a verdade é que, confortável sendo o amante-filho-confidente-empregado de uma celebridade, deixa de olhar com ponderação para o seu presente e futuro. O sonho de ser veterinário, por exemplo, esvai-se rapidamente e nunca mais é mencionado. Claro que numa relação tão intensa, mantida às escondidas com muito esforço durante seis anos, onde os dois lados levam vidas tão diferentes, há imensos desequilíbrios, ambos cometem erros, tentando preencher os vazios que carregam desde a infância, e é agridoce constatar que o amor, que existe e é abundante, não é suficiente para a manter.

O argumento foca-se em expor as imperfeições e fragilidades de cada, o que simultaneamente realça os sentimentos que os unem, deixando a Soderbergh a tarefa de colorir um dos mais vívidos retratos de uma história em conjunto dos últimos anos. O mundo exterior passa a ser um rumor. A fotografia é tão “kitsch palacial” quanto o estilo cultivado e assim denominado por Liberace, o ouro dos anéis e do cabelo de Scott em constante destaque. Isto até se chegar a 1986 e a sentença de morte da SIDA ser o motivo de um último, cinzento e devastador encontro, uma das cenas do ano. Morre também uma certa ingenuidade irrepetível das revoluções dos anos 70.

8/10

sábado, 21 de setembro de 2013

CITAÇÕES: La Notte (Michelangelo Antonioni, 1961)

Lidia (Jeanne Moreau): "When I awoke this morning, you were still asleep. As I awoke I heard your gentle breathing. I saw your closed eyes beneath wisps of stray hair and I was deeply moved. I wanted to cry out, to wake you, but you slept so deeply, so soundly. In the half light, your skin glowed with life so warm and sweet. I wanted to kiss it, but I was afraid to wake you. I was afraid of you awake in my arms again. Instead, I wanted something no one could take from me, mine alone…this eternal image of you. Beyond your face I saw a pure, beautiful vision showing us, in the perspective of my whole life…all the years to come, even all the years past. That was the most miraculous thing: to feel for the first time that you had always been mine, that this night would go on forever, united with your warmth, your thought, your will. At that moment I realized how much I loved you, Lidia. I wept with the intensity of the emotion, for I felt that this must never end, we would remain like this forever, not only close, but belonging to each other in a way that nothing would ever destroy, except the apathy of habit, the only threat. Then, you woke, and, smiling, you put your arms around me, kissed me, and I felt there was nothing to fear. We would always be as we were at that moment, bound by stronger ties than time and habit."
Giovanni (Marcello Mastroianni): Who wrote that?
Lidia: You did...