sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (Apichatpong Weerasethakul, 2010)


A Ásia é um continente de nações antigas, religiões herméticas e tradições milenares. As diferenças culturais e as distâncias megamétricas fazem regiões como a Indochina parecer incompreensíveis, mas ricas em História e, por isso, detentoras de um apelo bizarro. No cinema, poucos realizadores conseguem atrair o Ocidente com tal exuberante exotismo como o tailandês  Apichatpong Weerasethakul, aka Joe, e vendo um filme como Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives é e não é fácil de ver porque é que isso acontece.

Porque é que é? Bem, Boonmee é dono de uma herdade que engloba pomares de tamareiras e apicultura. Está às portas da morte devido a uma insuficiência renal e tem um médico, uma ajudante e uma máquina de diálise como melhores amigos. O lado místico de tal condição mistura-se com o da região e, em pouco tempo, o filme transforma-se num delírio de mediunidade em que as frondosas palmeiras servem de refúgio a fantasmas, princesas antigas e yetis com lasers nos olhos - miragens de vidas passadas.

Joe não apressa qualquer plano, dotando o filme de uma calma libertadora apenas possível de ser gerada por alguém que compreende a subjetividade da imagem, onde o tempo é reinventado e não tem fronteiras, o que é retratado em Uncle Boonmee com a maior naturalidade. Logo no início, a mulher e o filho falecidos do agricultor juntam-se-lhe para jantar ao crepúsculo, o que muito lhe agrada e pouco o espanta. A máquina de diálise e a câmara de filmar são dispositivos de anacronismo, portais de transição.

Porque é que não é fácil de perceber o fascínio por isto? Bem, por cada momento de transcendência, por cada detalhe cinemático de fazer babar qualquer crítico, seja na tentativa de desconstrução do passado excêntrico mais antigo ou no passado de guerra mais recente da Tailândia, seja nos diferentes estilos usados para cada uma das 6 bobinas diferentes (o que não é fácil de identificar), Uncle Boonmee carrega uma dose fastidiosa de humor seco, enredos desinteressantes e 20 minutos finais absolutamente irrelevantes.

Joe corre um risco grande: alude à possibilidade de uma história no título mas apenas envencilha cenas aleatórias que se pretende que representem reincarnações sucessivas, tal como são sucessivas as reincarnações do cinema, sem um óbvio fio condutor e com uma abordagem inexpressiva à beleza de tanta fantasia. Assim, Uncle Boonmee nunca chega a ter intensidade e rapidamente se transforma em clorofórmio artístico, tornando obsoleto o apelo bizarro de florestas a milhares de quilómetros de distância...

3/10

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

CURTAS: Vincent (Tim Burton, 1982)

Foi assim que Tim Burton começou,
Com animações de terror originais.
Nesta curta, que Vincent Price narrou,
Um jovem génio deixava bom sinais.

sábado, 25 de agosto de 2012

FOTOGRAFIAS: Luis Buñuel

Luis Buñuel carrega a cruz no set de The Milky Way (1969), um filme, como tantos outros do realizador espanhol, que não demonstra grande apreço pela religião...

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Cape Fear (Martin Scorsese, 1991)


O primeiro dos dois remakes da carreira de Martin Scorsese, Cape Fear é a história de um violador que, ao fim de 14 anos de prisão, é libertado e toma como tarefa aterrorizar, de forma tão legal e sorrateira quanto possível, a família do seu antigo advogado, que terá sido profissionalmente incorrecto ao defender o seu caso de forma defeituosa propositadamente. Robert de Niro e Nick Nolte substituem Gregory Peck e Robert Mitchum, os protagonistas originais em 1962, que, ainda assim, têm cameos na nova versão.

Este é talvez um dos mais genéricos trabalhos do realizador italo-americano - com isto quero apenas dizer que Cape Fear se insere mais facilmente num género do que um Taxi Driver, um Raging Bull ou um The King Of Comedy, porque de banal, obtuso ou previsível tem pouco. O argumento é muito preciso e conciso, sempre focado nas formas cada vez mais ameaçadoras planeadas pelo criminoso Max Cady para levar ao extremo Sam Bowden, um senhor doutor respeitado e bem vestido, com muitos telhados de vidro.

Mentirosos compulsivos, por vezes com sentimentos de culpa, por vezes destinatários de actos de vingança violenta, são recorrentes nos filmes de Scorsese e neste tomam o palco principal. Cady educou-se sobre a lei e a bíblia aquando da sua encarceração, sabe o mal que Bowden lhe fez, quantos anos podia ter feito a menos, a quantas lutas e sessões de sodomia podia ter escapado se tivesse sido bem defendido, e sabe também que alguém tem de fazer os pecadores pagarem, olho por olho, dente por dente.

Primeiro desaparece o cão da família, depois a amante do advogado aparece desfigurada... mas o mais assustador é a atenção que o ex-presidiário começa a prestar à filha adolescente do casal, Danielle. Cady aproveita-se da sua inocência e hormonas voláteis para a seduzir. Num momento de um desconforto épico, ele faz-se passar pelo novo professor de teatro dela e manipula-a até lhe despertar a sexualidade ao ponto de a pôr a chupar-lhe o polegar. Ele afasta-se de seguida - ainda é só um aviso para o pai.

Repressão sexual é outra realidade presente. A jovem Juliette Lewis é sensualizada ao máximo, apenas ultrapassada por Jodie Foster em Taxi Driver. Num lar em que as infidelidades e as discussões no leito abundam, a descoberta do corpo pode ser um escape. É isso que Cady tenta explorar, até porque sabe que Sam naturalmente o condenará. Será essa repressão também explicação para instintos destrutivos? Que papel representa a religião nesse cenário? Perguntas freudianas que vêem de Mean Streets e The Last Temptation Of Christ.

No clímax, o inevitável confronto físico, mas, nele, uma constatação invulgar: nem prestes a ver a filha e esposa serem estupradas por um psicopata a personagem de Nolte consegue deixar de ser absolutamente patética, preferindo o conformismo à acção. À mercê da natureza, um milagre acontece e uma tempestade abana o barco onde se encontram. A montagem de Thelma Schoonmaker é perfeita ao transmitir a estranheza da situação. Se a família se safa, ainda bem, mas a cobardia de Sam não merece a nossa preocupação.

É nisto que Scorsese se engrandece, na profunda compreensão do verdadeiro alcance de certos caracteres e atitudes de morais questionáveis, na revelação furiosa do lado mais negro da mesquinhez, da traição e da desonestidade, que devemos evitar quando vivemos em sociedade e estamos em família ou entre amigos, senão o sangue fica nas nossas mãos e podemos ser mais perigosos para nós mesmos que qualquer outro factor externo. Talvez chegar à essência com tanta clareza motive tanta boa interpretação.

Aqui, entre Nolte, Lewis ou De Niro é difícil dizer quem está mais em sintonia com estes temas, e isto tudo sem falar do estilo irrepreensível do filme, pejado de pequenos movimentos de câmara que sub-repticiamente plantam nervosismo no nosso cérebro e coberto por um trabalho de fotografia em realismo e em negrume muito semelhante ao de Michael Ballhaus. Cape Fear foi a sétima colaboração de uma das mais lendárias duplas do cinema, Scorsese e De Niro. Provavelmente, será a mais subestimada.

9/10

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

TRAILERS: The Master (Paul Thomas Anderson, 2012)

The Master aproxima-se. O melhor realizador americano da sua geração está de volta - a pergunta é se conseguirá igualar ou superar There Will Be Blood...

terça-feira, 14 de agosto de 2012

LISTAS: Quentin Tarantino

Os filmes preferidos de Quentin Tarantino (em 2002):

  • The Good, The Bad And The Ugly (Sergio Leone, 1966)
  • Rio Bravo (Howard Hawks, 1959)
  • Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976)
  • His Girl Friday (Howard Hawks, 1940)
  • Rolling Thunder (John Flynn, 1977)
  • They All Laughed (Peter Bogdanovich, 1981)
  • The Great Escape (John Sturges, 1963)
  • Carrie (Brian De Palma, 1976)
  • Coffy (Jack Hill, 1973)
  • Dazed And Confused (Richard Linklater, 1993)
  • Five Fingers Of Death (Chang-Hwa Jeong, 1972)
  • Hi Diddle Diddle (Andrew Stone, 1943)

domingo, 12 de agosto de 2012

Aleksandr Nevskiy (Sergei Eisenstein, 1938)


O que é que acontece quando um dos maiores realizadores russos decide transpor para o cinema a vida de uma das maiores personalidades históricas do seu país? Acontece uma obra-prima, claro. Sergei Eisenstein pode nunca ter sido muito subtil, mas a sua contribuição para uma melhor compreensão do poder da montagem foi inestimável; por seu lado, Alexander Nevsky, hoje Santo da Igreja Ortodoxa, é uma das figuras maiores da Rússia Medieval, um príncipe destemido, um guerreiro imparável e um político cauteloso, que travou e ganhou grandes batalhas contra a Suécia Viking e a Alemanha Teutónica e que teve de aturar o (na altura) poderoso Império Mongol, o maior de sempre.

Este filme de 1938 foca-se, acima de tudo, nos contratempos criados pelos segundos, cuja arrogância culminou em derrota na Batalha do Lago Peipus, às mãos do exército de Nevsky e do frio extremo da região. Se em Battleship Potemkin (1925) Eisenstein se tornou pioneiro da pós-produção, organizando som e imagem de forma metódica para aumentar a tensão de um argumento e sacar uma resposta emocional tão grande quanto possível do espectador, sendo o maior exemplo a mítica sequência da escadaria, aqui aperfeiçoa a forma, com conteúdo verídico, declaradamente nacionalista, redefinindo o drama histórico, com fundações perfeitamente solidificadas na longa cena do combate sobre o gelo.

Durante meia hora vemos o evoluir de uma guerra com um nível de detalhe, um sentido de ritmo e uma consistência imagética como nunca antes visto. Desde os rituais de moralização (com a frieza e confiança de Nevsky, decidindo correctamente até contra os seus conselheiros, e o doentio fervor religioso dos alemães católicos a serem realçados), ao nervosismo da aproximação dos dois lados, passando pelo aparente caos do seu choque, no qual a câmara acaba sempre por encontrar vestígios de estratégias militares, à queda dos invasores, despedaçados e engolidos pelo lago, o domínio de Eisenstein de ideais de montagem tão recentes são prova da sua capacidade de transpor para a película a nova forma que conjurava na sua mente para esta arte, com os meios então disponíveis.

É por isso que é, ainda hoje, dos filmes mais influentes de sempre. Vê-se Kingdom Of Heaven (Ridley Scott, 2005) ou mesmo Lord Of The Rings (Peter Jackson, 2001-03) e está lá isto tudo, menos as partituras de Prokofiev (uma desvantagem) e os subtextos que reflectem a sociedade e a cultura de então (são daquelas coisas que vêm com o território...). Afinal, estamos a falar duma altura em que a Segunda Guerra Mundial estava iminente e o Estalinismo numa fase de hegemonia, tornando-se óbvios os paralelismos entre os dois períodos. Um clérigo chega a usar um ostentoso chapéu com suásticas mal escondidas, numa clara indicação tanto da Igreja Católica como dos Nazis como insidiosos no passado e presente da União Soviética.

Claros são também os ataques à religião de Roma, cuja malevolência autorizava actos inomináveis de violência, como a imolação de crianças. Eisenstein realça a valentia do povo e idolatra Nevsky, pondo a sua fé na perfeita imperfeição da humanidade e não em fábulas de cobras falantes e messias em nome de quem se justifica matar milhões. Há conceitos mais importantes de defender, como a família, a amizade ou a pátria. A Rússia é implacável, mas fascinante, como cada plano do realizador e cada frase do príncipe nos lembram. Propagandista no intuito, relevante e inovador na abordagem histórica, simplesmente brilhante visualmente, Alexander Nevsky é um clássico para a eternidade.

9/10

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

TRAILERS: This Is 40 (Judd Apatow, 2012)

Judd Apatow está de volta, com uma espécie de sequela a Knocked Up, como se pode ler neste trailer. Confesso-me um fã incondicional do homem, desde os tempos de Freaks And Geeks, que tanto me ajudou a suportar o ensino secundário, na altura em que dava na SIC Radical sob o título Nova Geração. Desde então, os filmes de Apatow têm perdido em melancolia e ganho em ousadia, mas a genial e realista sensibilidade cómica em situações e conversas mundanas continua lá, talvez até em maior evidência.