segunda-feira, 23 de julho de 2012

Seance On A Wet Afternoon (Bryan Forbes, 1964)


Já alguma vez se puseram a ver um filme e tiveram a sensação logo nos primeiros segundos de que ia ser genial e no fim iam ter de reconsiderar o vosso top100, os vossos actores preferidos ou os vossos realizadores com carreiras mais invejáveis? Acho que se há algo mais certo e comum a todos os cinéfilos do que compilar listas de todos os tipos, sobre todos os detalhes possíveis e imaginários, deve ser este sexto sentido que, não sei, se calhar só se adquire ao fim de algum tempo, mas que aparece aqui e ali como uma premonição repentina de que estamos bem encaminhados para uma grande viagem no conforto da nossa cadeira assim que aparecem os créditos iniciais.

Não sei bem explicar porque é que isso acontece e de certeza que as razões são diferentes de pessoa para pessoa, mas Seance On A Wet Afternoon foi um desses filmes para mim. Abre em cold open com uma sessão espírita enigmática e a seguir desfilam planos cheios de contrastes nítidos a preto e branco de um bairro tipicamente inglês, coberto pelo mais sibilino de todos os scores de John Barry, onde a humidade da chuva indicia acontecimentos futuros nublosos. No interior de uma das casas mora Myra e Billy, mulher e marido, médium e assistente, Kim Stanley e Richard Attenborough. Vestidos de preto num quarto completamente branco, têm tudo pronto e a bênção de Arthur...

Tudo o quê? Arthur quem? Isso são perguntas que vão tendo resposta ao longo do filme. Claro é que a segurança de Myra contrasta com a relutância de Billy em levar a cabo o plano que lhes vai trazer dinheiro e atenção para o suposto dom supernatural dela: raptar a filha de um casal rico e oferecer serviços de consultadoria espiritual ao mesmo e à polícia, controlando a situação de duas maneiras, por um lado recolhendo o dinheiro da recompensa, por outro resolvendo a questão ao reunir a família quando bem lhes apetecer. Apesar da frieza com que falam, executam e prolongam as suas transgressões, há intangíveis que Myra e Billy têm dificuldade em conciliar, alguns criados por eles.

Isto porque aquilo que os separa é talvez mais do que aquilo que os une. No meio do circo que erguem à sua volta está essa dúvida, são duas pessoas com mágoas profundas e caracteres antagónicos. Ela, dominante, controladora, sempre pronta a atirar as culpas da mais simples contrariedade para o marido (brilhante o pormenor de ela desligar uma grafonola enquanto fala e depois acusar Billy de o ter feito, quando finalmente se cala e nota a ausência de música - claro que nós não sabemos se ela se lembra ou se melindra o marido por maldade), mas nunca perde a compostura. Ele, patético, com maior coração, menor coragem, manietado por Myra durante anos, reduzido a um tarefeiro cobarde.

Stanley e Attenborough têm o tipo de prestação que merece Óscares, sim, mas também vénias, salmos, templos e oferendas divinas. São de outro mundo, de uma química inabalável, com uma atenção e uma personificação extremas, cuja contenção, típica de quem quer evitar conflitos, é ainda mais desesperante dadas as circunstâncias e ainda mais amplificada dado o silêncio cortante em que Bryan Forbes deixa as cenas mais intensas a marinar. O realizador cria a mais ululante atmosfera a partir da secura com que este casal se trata e com a secura com que este casal trata os crimes que cometem, guardados como segredos em enquadramentos perfeitos, numa casa suburbana perfeita.

Tornam-se muito tristes e desconfortáveis os demónios que Myra e Billy carregam dentro de si. Ela, em especial, construiu um mundo de ilusão em que tem poderes que o comum dos mortais não tem, para ultrapassar o passado, para se superiorizar ao marido, para se sentir importante, que a afastou completamente da realidade. O marido é cúmplice por não a confrontar. É doloroso ver duas pessoas resvalarem desta forma. Todos os elogios que se possam fazer à realização, escrita e interpretação exibidas em Seance On A Wet Afternoon são poucos, é um thriller com uma carga psicológica, uma humanidade e uma paciência inauditas, que não se encontram no cinema de hoje.

9/10

1 comentário:

  1. Não conhecia esse filme ainda, e gostaria muito de conhecer o lado ator de Richard Attenborough.
    Abraços!

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