sábado, 24 de dezembro de 2011

Daydream Nation (Michael Goldbach, 2010)


Daydream Nation é aquele tipo de filme que mostra aos pais o que eles não sabem sobre os filhos, pela simples razão de que já não se lembram do que é ser adolescente. Em sua defesa, é uma fase difícil de perceber e descrever - por isso é que os adolescentes passam tantas horas a escrever diários, a inventar poemas, a compor músicas, a falar uns com os outros, porque eles próprios não conseguem perceber ou descrever o que está a acontecer com eles, e então, desse sentimento de confusão, partem sem rumo à descoberta do que os rodeia. Para Caroline Wexler (Kat Dennings), rapariga duma grande metrópole que se muda com o pai para uma vila exígua, o primeiro destino nessa caminhada parece ser o seu professor, Mr. Anderson (Josh Lucas). Talvez a morte da sua mãe a tenha feito crescer mais rápido, talvez a falta de entrosamento com o pai a tenha feito perder noção dos valores, certo é que Caroline se julga sofisticada, solitária e até superior aos seus colegas, e, aproveitando o facto de poder ser alguém diferente agora que está num meio diferente, decide apontar mais alto.

Este é "o ano em que tudo aconteceu", o ano em que um incêndio industrial cobre a paisagem de fumo, o ano em que um assassino à solta espalha o terror pelas redondezas, o ano em que as hormonas inundam a povoação. Thurston (Reece Thompson) perde-se nas drogas e perde-se de amores por Caroline, que o manipula para esconder a sua relação com Mr. Anderson. O filme pinta um retrato duma juventude apática, com muitas facilidades e poucos desafios, uma mistura que leva à tragédia. Cada vez que alguém quebra barreiras ou passa fronteiras, sofre as consequências e nem sempre são agradáveis ou se está preparado para elas. Thurston vive com o arrependimento de ter perdido o melhor amigo num acidente de carro à saída de uma festa e de não o ter ajudado convenientemente, mas nem isso parece forcá-lo a procurar um rumo para si, antes pelo contrário, parece paralisá-lo ainda mais. Caroline trata uma rapariga da sua escola como uma puritana idiota sem futuro, humilha-a com palavras para depois chorar de arrependimento. O realizador parece partilhar a opinião de Paul Schrader de que o que o fascina "são pessoas que querem ser uma coisa mas que se comportam duma forma contraditória a isso."

Todas as personagens vivem com medo de estar sozinhas e a maioria não resiste a distrair-se com superficialidades para afundar momentaneamente esse medo, porque é mais fácil do que tomar uma posição e mantê-la. Mr. Anderson é talvez a personagem mais paradoxal de Daydream Nation. Um trintão aparentemente seguro e educado, acaba por se revelar um frustrado depressivo, cheio de teias de aranha na cabeça, em tempos um teenager desajeitado e preguiçoso talvez não muito diferente de Thruston, que cria a ilusão de ter encontrado a mulher perfeita em Caroline. O tom desiludido do filme remete para American Beauty e Mr. Anderson não anda muito longe dum Lester Burnham mais novo. Um ótimo papel para Josh Lucas, que consegue trazer lentamente ao de cima o ridículo da sua personagem. No entanto, ao contrário da obra de Sam Mendes, há aqui, no fim, um vislumbre de esperança, apesar da maior e nem sempre eficaz urgência em criar drama.

O argumento perde-se um pouco nas suas próprias complexidades e às tantas talvez tivesse sido melhor suprimir todo o sub-enredo do serial killer, por exemplo, mas distingue-se a nível humano. Uma construção e apresentação cuidada das personagens asseguram uma grande ligação às mesmas e uma grande compreensão das mesmas, até quando cometem os maiores erros ou incorrem nas piores decisões. Não se pode dizer que haja aqui uma grande história; há sim bons momentos num filme-mosaico com bom fundo e vontade de explorar o amor e a sexualidade juvenis com honestidade, conduzido por uma voz tipicamente indie, que se ouve no ocasional humor seco (para o qual Kat Dennings já provou ter talento noutros filmes, como Nick And Norah's Infinite Playlist), em meia dúzia de planos de paisagens outonais em soft focus ou na banda sonora de Rock ligeiro. Mike Goldbach é menos polémico que Larry Clark, menos poético que Gus Van Sant, mas faz de Daydream Nation um projeto interessante e emotivo onde o romantismo acaba por ser a resposta para todo e qualquer drama que possa atingir as nossas vidas - que, afinal, não são assim tão insignificantes quanto às vezes podemos achar, quanto mais não seja porque podem significar algo para alguém.

7/10

2 comentários:

  1. Excelente critica ao Daydream Nation (que tem o título de um álbum dos Sonic Youth - e até uma das faixas passam no filme durante uns bons segundos - quando a Kat Dennings está no quarto aos saltos sobre a cama com uma almofada - isto se não me falha a memória pois vi-o em Junho; também a personagem ter o nome de Thurston não foi ao calhas... é o nome de um dos elementos da banda).
    Gosto da foto com que foi ilustrado o artigo.


    Dos meus apontamentos (que não foram transformados em post no meu blog...):
    Uma verdadeira pérola impressionante é este filme, que se afigurava apenas bonzinho no arranque mas que se desenvolve em grande e acaba em apoteose de excelência.

    O argumento é estrondoso, inteligente, sem clichés, que parte de contar um triangulo amoroso e sem esperarmos brotam mais historias do que parecia abordar, encaixando com mestria os dilemas da adolescência e dos adultos.

    Alguns momentos de virtuosismo de realização, fotografia, estética visual apurada e uma banda-sonora excepcional onde ironicamente nem os Sonic Youth faltam (com homenagem ao Thurston, colocando o nome a uma personagem principal). Todo o filme é uma trip!

    Por fim... o melhor do filme é ser um Kat Dennings show!!! (só aqueles passeios de bicicleta podem ser vistos como state of the art truly awesome!)

    Fica a questão final: porque tantas vezes o Donnie Darko me veio à memória?
    Wake Up!

    É para mim um filme que vale 8/10. Impecável!

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  2. Obrigado pelos elogios! A Kat Dennings é fantástica em vários sentidos e vê-la a andar de bicicleta de um lado para outro em câmara lenta é muito bom, hehe.

    Concordo com os teus apontamentos, acho que, tal como o American Beauty, caminha para um final estrondoso e há realmente bastantes histórias.

    Quanto a Donnie Darko, percebo um pouco, cenários parecidos.

    Ainda bem que gostaste do filme e da crítica :D

    Abraço!

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