quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

sábado, 24 de dezembro de 2011

Daydream Nation (Michael Goldbach, 2010)


Daydream Nation é aquele tipo de filme que mostra aos pais o que eles não sabem sobre os filhos, pela simples razão de que já não se lembram do que é ser adolescente. Em sua defesa, é uma fase difícil de perceber e descrever - por isso é que os adolescentes passam tantas horas a escrever diários, a inventar poemas, a compor músicas, a falar uns com os outros, porque eles próprios não conseguem perceber ou descrever o que está a acontecer com eles, e então, desse sentimento de confusão, partem sem rumo à descoberta do que os rodeia. Para Caroline Wexler (Kat Dennings), rapariga duma grande metrópole que se muda com o pai para uma vila exígua, o primeiro destino nessa caminhada parece ser o seu professor, Mr. Anderson (Josh Lucas). Talvez a morte da sua mãe a tenha feito crescer mais rápido, talvez a falta de entrosamento com o pai a tenha feito perder noção dos valores, certo é que Caroline se julga sofisticada, solitária e até superior aos seus colegas, e, aproveitando o facto de poder ser alguém diferente agora que está num meio diferente, decide apontar mais alto.

Este é "o ano em que tudo aconteceu", o ano em que um incêndio industrial cobre a paisagem de fumo, o ano em que um assassino à solta espalha o terror pelas redondezas, o ano em que as hormonas inundam a povoação. Thurston (Reece Thompson) perde-se nas drogas e perde-se de amores por Caroline, que o manipula para esconder a sua relação com Mr. Anderson. O filme pinta um retrato duma juventude apática, com muitas facilidades e poucos desafios, uma mistura que leva à tragédia. Cada vez que alguém quebra barreiras ou passa fronteiras, sofre as consequências e nem sempre são agradáveis ou se está preparado para elas. Thurston vive com o arrependimento de ter perdido o melhor amigo num acidente de carro à saída de uma festa e de não o ter ajudado convenientemente, mas nem isso parece forcá-lo a procurar um rumo para si, antes pelo contrário, parece paralisá-lo ainda mais. Caroline trata uma rapariga da sua escola como uma puritana idiota sem futuro, humilha-a com palavras para depois chorar de arrependimento. O realizador parece partilhar a opinião de Paul Schrader de que o que o fascina "são pessoas que querem ser uma coisa mas que se comportam duma forma contraditória a isso."

Todas as personagens vivem com medo de estar sozinhas e a maioria não resiste a distrair-se com superficialidades para afundar momentaneamente esse medo, porque é mais fácil do que tomar uma posição e mantê-la. Mr. Anderson é talvez a personagem mais paradoxal de Daydream Nation. Um trintão aparentemente seguro e educado, acaba por se revelar um frustrado depressivo, cheio de teias de aranha na cabeça, em tempos um teenager desajeitado e preguiçoso talvez não muito diferente de Thruston, que cria a ilusão de ter encontrado a mulher perfeita em Caroline. O tom desiludido do filme remete para American Beauty e Mr. Anderson não anda muito longe dum Lester Burnham mais novo. Um ótimo papel para Josh Lucas, que consegue trazer lentamente ao de cima o ridículo da sua personagem. No entanto, ao contrário da obra de Sam Mendes, há aqui, no fim, um vislumbre de esperança, apesar da maior e nem sempre eficaz urgência em criar drama.

O argumento perde-se um pouco nas suas próprias complexidades e às tantas talvez tivesse sido melhor suprimir todo o sub-enredo do serial killer, por exemplo, mas distingue-se a nível humano. Uma construção e apresentação cuidada das personagens asseguram uma grande ligação às mesmas e uma grande compreensão das mesmas, até quando cometem os maiores erros ou incorrem nas piores decisões. Não se pode dizer que haja aqui uma grande história; há sim bons momentos num filme-mosaico com bom fundo e vontade de explorar o amor e a sexualidade juvenis com honestidade, conduzido por uma voz tipicamente indie, que se ouve no ocasional humor seco (para o qual Kat Dennings já provou ter talento noutros filmes, como Nick And Norah's Infinite Playlist), em meia dúzia de planos de paisagens outonais em soft focus ou na banda sonora de Rock ligeiro. Mike Goldbach é menos polémico que Larry Clark, menos poético que Gus Van Sant, mas faz de Daydream Nation um projeto interessante e emotivo onde o romantismo acaba por ser a resposta para todo e qualquer drama que possa atingir as nossas vidas - que, afinal, não são assim tão insignificantes quanto às vezes podemos achar, quanto mais não seja porque podem significar algo para alguém.

7/10

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

sábado, 17 de dezembro de 2011

CURTAS: Hotel Chevalier (Wes Anderson, 2007)

Como uma espécie de prelúdio de The Darjeeling Limited, Wes Anderson filmou esta bela curta-metragem em Paris. Natalie Portman apareceria apenas por um micro segundo no filme supracitado.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Red Road (Andrea Arnold, 2006)

Poço sem fundo de ideias, o dinamarquês Lars von Trier apadrinhou em 2003 um conceito a ser desenvolvido por realizadores novatos, que batizou de Advance Party. Dadas meia dúzia de personagens, delineadas em papel em meia dúzia de linhas, os escolhidos teriam de criar à sua volta argumentos originais. E assim nasceu Red Road, com Andrea Arnold como filiação.

Jackie (Kate Dickie) é operadora de videovigilância. Vê os dias passarem através das câmaras que estão espalhadas por várias zonas da cidade de Glasgow. Alienou-se do mundo, mas está responsável por o patrulhar, sentada numa divisão escura, cuja única luminosidade provém dos ecrãs que se espalham pelas paredes como janelas eletrónicas e dos cigarros que acende em catadupa.

Arnold faz questão desde o início de mostrar o desconforto desta mulher com a sua vida atual, à qual parece tentar conformar-se sem sucesso. Não evita cruzar-se na rua com estranhos que reconhece do seu trabalho nem renuncia a sexo com um homem casado, tal é a sua necessidade de ter o mínimo de contacto humano, mas é pouco. E então aparece, num dos monitores, um homem do seu passado.

A sua obsessão com Clyde (Tony Curran), que passa a seguir religiosamente, primeiro à distância, depois pela cidade, começa a consumi-la, mas a razão é incerta para o espectador. Como que vítima dum sortilégio, Jackie tem, simplesmente tem de se aproximar deste ex-presidiário mulherengo (que poderá nutrir também um interesse excessivo em pelo menos uma aluna de secundário).

A ligação mais imediata do filme é o Dogma 95, um manifesto também ele idealizado por Lars von Trier, que impõe uma realização à base de câmaras de mão e o exclusivo uso de luz natural e som diegético. Arnold faz um trabalho excelente a este nível, um silêncio meditativo mas tenso segue Jackie para todo o lado, em especial pelo soturno bairro de Red Road, onde mora Clyde.

É um filme que se faz de impulsos primitivos, há muito suprimidos, que se faz do que se diz mas acima de tudo do que não se tem coragem de dizer. Há uma camada de tensão sexual muito espessa, que se adensa à medida que a personagem principal parte, talvez inocentemente, talvez intencionalmente, para uma nova relação física potencialmente perigosa (e filmada de forma muito explícita).

A desconhecida Kate Dickie tece uma interpretação notável à medida que desenrola o complexo novelo da vida de Jackie, que a leva a emoções assolapadas e a ações de cariz moral duvidoso. Parece claro que Clyde não lhe traz boas memórias, mas insiste em aproximar-se mais e mais e mais, porquê? O passado que une estas personagens é dramático e revelado com um cuidado e uma compreensão emocionantes.

A atmosfera deprimente de Red Road engole quem o vê, e que bem que sabe, que bem que sabe ver cinema em que a história é bem complementada pelo meio que a adota. Arnold estreia-se com um filme talvez longo demais para o seu próprio bem, talvez tão longo quanto tinha de ser, mas certamente dum intimismo sufocante. E agora venham mais filmes da Advance Party, por favor.

8/10

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

LISTAS: Orson Welles


Os 10 filmes preferidos de Orson Welles:
  1. City Lights (Charlie Chaplin, 1931)
  2. Greed (Erich von Stroheim, 1924)
  3. Intolerance (D.W.Griffith, 1916)
  4. Nanook Of The North (Robert Flaherty, 1922)
  5. Shoeshine (Vittorio de Sica, 1946)
  6. Battleship Potemkin (Sergei Eisenstein, 1925)
  7. The Baker's Wife (Marcel Pagnol, 1938)
  8. Grand Illusion (Jean Renoir, 1936)
  9. Stagecoach (John Ford, 1939)
  10. Our Daily Bread (King Vidor, 1934)

sábado, 10 de dezembro de 2011

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Due Date (Todd Phillips, 2010)

Todd Phillips tem razões para sorrir. Depois de ter desistido da mítica escola de cinema de Nova Iorque para promover o seu documentário Hated, conheceu o produtor Ivan Reitman, que o ajudou a encontrar o seu lugar em Hollywood, dando-lhe a possibilidade de escrever e realizar o seu primeiro trabalho de ficção. Assim surge Road Trip e assim começa uma carreira de sucesso com comédias subversivas.

Apenas um ano depois de fazer dinheiro como lixo graças ao original The Hangover, atirou-se à estrada com Robert Downey Jr. e Zach Galifianakis para fazer Due Date, um filme onde o destino junta um sério arquiteto e um irresponsável ator numa viagem de carro contra o tempo, pois a esposa do primeiro está prestes a dar à luz. Está bom de ver que antes de chegar ao seu destino, ele vai ter de sofrer. Muito.

As personalidades díspares do par chocam desde o início, e tudo se complica quando a carteira do irritadiço Peter se perde e o despreocupado Ethan gasta mais de metade das suas poupanças em erva, supostamente para propósitos medicinais, um dos seus muitos hábitos duvidosos (Juliette Lewis é a dealer de serviço, a quem Galifianakis recita um monólogo de The Godfather, numa das melhores cenas).

Se por um lado será mais fácil dar um desconto a Ethan, dado o seu carácter infantil e propensão para arranjar problemas, não é difícil compreender Peter. A ideia de depender de alguém que não se coíbe de se masturbar à frente de um estranho já é insuportável por si só, quanto mais quando o tique-taque do relógio não pára de relembrar que se pode estar prestes a perder um momento único.

As semelhanças com o clássico Planes, Trains And Automobiles de John Hughes são óbvias, mas Galifianakis não inspira a mesma simpatia que John Candy, e o comportamento de Ethan roça mesmo, por vezes, o constrangimento e a falta de compreensão pelo seu companheiro de viagem. Por outro lado, Robert Downey Jr. não tem o timing cómico de Steve Martin e acaba reduzido quase a um saco de porrada.

Claro que o exagero é o que faz alguns dos gags resultarem, mas Peter, por muito arrogante que seja, não deixa de ser um homem de família e um profissional de sucesso que pode ser privado de ver o nascimento do seu primogénito pela incompetência de outrem e esse pensamento está sempre presente, o que torna toda a viagem uma grande frustração, mesmo que o final seja (duh) feliz.

A força de The Hangover era a narrativa intrincada e intumescida por um grande espírito de união e camaradagem. Due Date é mais episódico, tem momentos bons e momentos não tão bons, e a tolerância que se cria entre as personagens parece forçada por atribulações e passageira. Todd Phillips deverá ter um novo sucesso de bilheteira nas mãos, mas já deu mais razões para sorrirmos.

6/10

sábado, 3 de dezembro de 2011

LISTAS: Roger Ebert


Os filmes preferidos de Roger Ebert (em 2002):
  • The General (Buster Keaton, Clyde Bruckman, 1926)
  • Citizen Kane (Orson Welles, 1941)
  • Tokyo Story (Yasujiro Ozu, 1953)
  • Vertigo (Alfred Hitchcock, 1958)
  • La Dolce Vita (Federico Fellini, 1960)
  • 2001: A Space Odyssey (Stanley Kubrick, 1968)
  • Aguirre: The Wrath Of God (Werner Herzog, 1972)
  • Apocalypse Now  (Francis Ford Coppola, 1979)
  • Raging Bull (Martin Scorsese, 1980)
  • Dekalog (Krzysztof Kieslowski, 1989)

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Elephant (Alan Clarke, 1989)

Alan Clarke foi um realizador britânico que morreu em 1990 com um décimo do reconhecimento que merecia. Autor de alguns dos mais realistas e negros filmes sobre a sociedade de que fazia parte, dirigiu com fabulosa eficácia atores como Gary Oldman, Tim Roth ou Ray Winstone muito no início das suas carreiras. Apesar de contar com uma filmografia relativamente curta e intimamente ligada à BBC, o tratamento, duração e relevância de Scum, Made In Britain ou The Firm tornam Clarke numa entidade à parte.

A trabalhar maioritariamente em televisão por escolha, dada a facilidade de financiamento e a disponibilidade de meios na altura, o seu estilo minimalista apuradíssimo e a forma neutra e sagaz como abordava as questões que o preocupavam certamente lhe teriam granjeado uma duradoura e desafiante carreira no cinema, o que poderia ter garantido também um menor esquecimento e uma maior divulgação dos seus trabalhos. Seja como for, Elephant existe e deve ser visto custe o que custar, tanto em termos de dificuldade de o encontrar como em termos de dificuldade de o visionar.

Retrato de uma Irlanda do Norte desoladora, Elephant representa uma série de 18 assassinatos perpetrados sabe-se lá por quê, sabe-se lá por quem. Efetivamente, as explicações dadas para o que estamos a ver são inexistentes e, à medida que seguimos dezenas de pessoas aparentemente normais em tarefas banais e ambientes quotidianos, é até difícil dizer, em alguns casos, quem está prestes a ser vítima e quem está prestes a tornar-se num homicida. Estas incertezas são desconcertantes e denunciam com uma urgência deprimente a cultura de terror que existia num país em constante guerra consigo mesmo.

Clarke explora não só a proliferação da violência mas também a dessensibilização à violência. Expondo-nos durante 39 minutos a uma sufocante sucessão de atos inomináveis, o realizador simula brilhantemente o mais perigoso mecanismo de defesa humano: a vulgarização do problema. As mortes brutais perdem naturalmente, por repetitivas, o efeito de choque inicial e o espectador é levado, primeiro, a condenar uma chacina aleatória e, segundo, a aceitar a continuação do que está a ver, sendo que aceitá-lo realmente é tornarmo-nos coniventes. Num cenário onde, ao longo de cerca de 30 anos, conflitos étnico-políticos geraram 3254 vítimas mortais, talvez esta intenção pareça mais justificável e eye-opening.

Se tematicamente esta curta-metragem simples é infinitamente fascinante, não é também de descurar o aspeto técnico. Filmada na sua totalidade com Steadicam (16mm) e composta quase em exclusivo por longos tracking shots, Clarke realça a frieza dos criminosos e dos locais, os silêncios e os cinzentos, o antes e o depois de cada morte, incitando-nos a fazer perguntas, não oferecendo respostas, apenas os factos.

Serve como atestado da visão deste filme a sua influência em Gus Van Sant e no controverso trabalho que realizou em 2003 sobre o massacre de Columbine, que lhe garantiu a Palma de Ouro em Cannes e que partilha o título Elephant, numa referência à expressão inglesa "the elephant in our living room", ou seja, por vezes há verdades óbvias que ignoramos voluntariamente. É a mensagem que Alan Clarke, com o realismo e o distanciamento que lhe são característicos, quer passar: não nos podemos educar a viver com o que está mal à nossa volta.

9/10

domingo, 27 de novembro de 2011

TRAILERS: Don't Bother To Knock (Roy Ward Baker, 1952)

Suspense fires the screen! Richard Widmark as the guy who didn't bother to knock! Marilyn Monroe as the girl who didn't care! Como resistir?!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Saw (James Wan, 2004)

Depois de uma década demarcada por um aumento da explicitação da violência no ecrã e pela especialização no género de vários realizadores americanos e europeus, os thrillers aparecem nos anos 90 com nova bagagem. Filmes como The Silence Of The Lambs ou Seven tomam o cinema de assalto, caracterizados por grande carga psicológica e sentido estético, impondo-se como arquétipos nos tempos vindouros. Ainda hoje vemos uma constante sucessão de cópias dos trabalhos de Jonathan Demme ou David Fincher, que, com maior ou menor sucesso artístico, maior ou menor sucesso financeiro, continuam, no mínimo, a ser consideradas modernas.

Saw insere-se neste panorama a uma infinidade de níveis. Jigsaw, um serial killer com muito tempo nas suas mãos, constrói puzzles macabros que deixam a polícia perplexa e se destinam a ensinar as suas vítimas a apreciar a vida. O filme escolhe não explorar a personagem do assassino e focar-se nos outros 2 tipos de intervenientes, começando com um fotógrafo e um médico a acordar presos com correntes pelo tornozelo numa casa de banho decadente sem saber como lá chegaram ou o que estão lá a fazer. Através duma enormidade de flashbacks, a história vai-se adensando e vão aparecendo respostas pertinentes, ainda que nem sempre lógicas.

Há, aliás, muito pouco que faça sentido no argumento deste filme, o que fere constantemente a sua credibilidade, desde os frágeis motivos que explicam o ethos de Jigsaw, passando pela conduta dos seus mais recentes prisioneiros, Adam e Lawrence, até pormenores irrealistas como um civil ser autorizado a assistir a um interrogatório policial, quase como se o horror e a criatividade dos actos de tortura operados nas cenas mais intensas pudessem por si só ser suficientes para o salvar, saciado que estará o eventual desejo sórdido de sangue do espectador. A violência não aparece num contexto, o contexto é criado artificialmente para tentar justificar a violência.

Não se pode negar que há mão firme na realização, ainda que James Wan não consiga oferecer um cunho verdadeiramente pessoal ao visual visceral e de um realismo austero de Seven. Copia o processo bleach bypass de revelação da película, ou seja, dispensando parcial ou totalmente o banho branqueador para aumentar a saturação da imagem, e vai longe demais com a montagem ultra-vitaminada, mas consegue criar um ambiente claustrofóbico eficaz. Já os actores, deixam muito a desejar, com reacções exageradas mas sem força por todo o lado. Tobin Bell tem muito pouco que fazer no papel de Jigsaw e a justificação para isso é talvez a menor de todas as razões pelas quais o final é frustrante.

O papel central acaba por ser mesmo das armadilhas, afinal é apenas disso que toda a gente fica a falar, de como este ou aquele se lixa e com o quê. O filme exige constantemente uma reacção e é difícil não nos rendermos, nem que seja já quase a acabar, quando Lawrence atinge uma catarse e toma medidas extremas para escapar ao cativeiro e à morte, porque consegue ser muito intenso, ainda que nem sempre de forma equilibrada, mas a sua terrível construção destrói-o e torna a violência apenas exploratória, parece um guarda-redes a tentar fintar sem sucesso um ponta-de-lança e a sofrer um golo como consequência. Pelos vistos, há quem aplauda isso.

3/10

domingo, 20 de novembro de 2011

TOP5: Federico Fellini

05. The White Sheik (1952)
O segundo filme de Fellini é também um dos mais jocosos, a vazar uma romântica inocência, num olhar simples à conturbada lua-de-mel de um casal muito diferente que encontra se encontra no fim.

04. City Of Women (1980)
Completamente diferente do anterior, uma viagem louca e sem fronteiras pelo sub-consciente de Fellini, talvez o seu filme mais delirante e derivativo, mas com um charme e uma criatividade e um Mastroianni únicos. Ah, e enormes seios!

03. La Dolce Vita (1960)
Provavelmente o filme mais conhecido e reconhecível de Fellini, sem dúvida um marco do cinema europeu, cheio de sequências brilhantemente orquestradas e uma fotografia a preto e branco impecável. A cena da fonte Trevi nunca será esquecida. Muitos serão surpreendidos pelo aparente corte narrativo a meio do filme, que surge de forma repentina para mostrar mais facetas da vida de Marcello.

02. I Vitelloni (1953)
Cómico mas acima de tudo nostálgico. Nostálgico por um passado mais inocente, por um passado mais despreocupado, pela juventude que passa tão rápido que por vezes nos interrogamos sobre se a teremos aproveitado correctamente e completamente. Notável a rápida sucessão de curtos planos-sequência final, a que Martin Scorsese se refere com particular admiração no documentário "My Voyage In Italy".

01. 8 1/2 (1963)
Perfetto.

sábado, 19 de novembro de 2011

POSTERS: Downhill Racer (Michael Ritchie, 1969)

Downhill Racer não é, nem de longe nem de perto, dos filmes mais conhecidos de Robert Redford ou de Gene Hackman, mas sempre achei o poster original fascinante, dum romantismo gelado e enigmático. Que acham?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

TCN Blog Awards 2011

O Pai Natal veio mais cedo para estes lados, com uma bela prenda virtual: O Narrador Subjectivo tem uma nomeação para os TCN Blog Awards 2011! Um muito obrigado a todos os meus leitores, a todos os meus seguidores e a todos os votantes que perderam a cabeça e me levaram à lista de nomeados para Melhor Novo Blog! As votações para decidir os vencedores nesta e nas outras categorias estão abertas a todos no Cinema Notebook até dia 31 de Dezembro. A cerimónia de entrega dos prémios será no Teatro Turim, em Lisboa, no dia 7 de Janeiro. Faço então um convite para votarem e outro para aparecerem. Boa sorte a todos!

Secrets & Lies (Mike Leigh, 1996)

Ninguém carrega a influência do kitcken sink drama melhor que Mike Leigh, movimento cultural tipicamente britânico do século passado que se concentrava em explorar a realidade social, como se replicá-la nas artes realçasse as questões mais pertinentes, os conflitos mais usuais ou os fenómenos mais positivos do dia-a-dia. No cinema, em This Sporting Life, Georgy Girl ou Kes, entre outros, homens e mulheres comuns revelam vidas comuns, enfrentam problemas comuns, e somos imediatamente levados a reconhecermo-nos, a envolvermo-nos. Mike Leigh domina esta arte. A sua grande preocupação neste filme é evidenciada logo pelo título: segredos e mentiras, daquele tipo que guardamos até da nossa família, com os quais vivemos sem deles falar, e que, mais cedo ou mais tarde, explodem na nossa cara como granadas vindas do nada.

Desaparecida que está a sua família adoptiva, Hortense força-se a encontrar a sua mãe biológica. Sem filhos e num casamento algo estagnado, o fotógrafo Maurice concentra-se no trabalho. Volúvel e pouco sociável, Monica passa os dias em casa a melindrar a filha com todo o carinho possível. Cedo se percebe que estas personagens são todas frutos da mesma árvore genealógica, por muito perto ou longe que estejam física e emocionalmente. Os conflitos são inevitáveis, mas lidados com o máximo de compaixão e neutralidade possível por Leigh, porque tudo isto é quotidiano e cada um é livre de ter a sua abordagem. Há sempre quem se ria e quem chore em alturas de aperto. Parece mais que estamos a olhar para a rua da janela da nossa sala do que sentados no escuro a ver um filme.

Claro que este tipo de filmes é um gosto adquirido. São perfeitamente acessíveis e despretensiosos, mas com pouco replay value. Banal tecnicamente e superficialmente desnorteado, Secret & Lies conta com dezenas de minutos de actividades sem interesse do dia-a-dia filmadas com impassibilidade, diálogos improvisados ou cenas que pouco contribuem para o esboço de narrativa que parece estar traçado. É um facto que é este tipo de iniciativas do realizador que mais contribuem para criar um espírito humanista envolvente, às vezes de forma imperceptível, como a cena em que o antigo dono da loja de Maurice lhe vai pedir emprego, onde a contenção de Timothy Spall é comovedora, mas isso pode não ser suficiente para quem aprecia cinema mais elaborado e intencionado.

Quando chegamos ao fim e tudo vem ao de cima, sentimo-nos aliviados, porque a forma como Leigh nos vai direcionando para mais e mais perto destas pessoas aos poucos e poucos faz-nos sentir que pertencemos a esta família, vemos e sabemos tudo, como vivem, quem são e como foram; partilhamos os seus segredos e mentiras. Os actores estão completamente absorvidos pelas suas personagens, todas as suas subtilezas e contradições, com especial destaque para Marianne Jean-Baptiste, que toca ainda mais por ser tão honesta e saber muito menos até que o espectador. Quando ela ganha coragem para perguntar a Monica sobre o seu pai e recebe histeria como resposta, é tão triste. Tão triste. Em termos de realismo e ressonância, Secrets & Lies é irrepreensível e obrigatório. Essa é que é a verdade.

7/10

terça-feira, 1 de novembro de 2011

domingo, 30 de outubro de 2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Conan The Barbarian (John Milius, 1982)

Ainda que os anos 80 tenham sido um período rico em filmes de culto daqueles que são tão maus que acabam por ser espectaculares, esse não é tanto o caso de Conan The Barbarian. É certo que nesta altura surgiram muitas estrelas de cinema mais laureadas pelos seus músculos e capacidades físicas do que pelo seu talento como actores ou pela qualidade dos seus filmes, e Conan The Barbarian não deixa de ser, acima de tudo, a rampa de lançamento de Arnold Schwarzenegger, alguém que se insere com facilidade nessa categoria e que não passou a oportunidade de exibir aqui a sua forma física impressionante. Ainda assim, esta não deixa de ser uma grande aventura e uma produção com muitos méritos.

Herói maior do género de "sword & sorcery fantasy", Conan é um guerreiro de respeito num tempo longínquo. Feito escravo ainda criança, acaba por readquirir a sua liberdade à custa de muita violência e veneração por Crom, um deus cruel e imperdoável, central na cultura do aço. Embarca então numa busca pelo homem que matou a sua família e destruiu a sua aldeia, o poderoso feiticeiro Thulsa Doom (James Earl Jones). Apesar de o vilão não ser o esqueleto da literatura, a sua figura não deixa de impor respeito e semear medo, quer pela sua forma sibilina de discursar, quer pelos seus poderes mágicos. Numa cena, uma mulher suicida-se displicentemente em honra ao seu culto de cobras. Na ficção como na realidade, a influência dos grandes líderes dá que pensar.

Conan é um solitário silencioso, o que é adequado para o carrancudo Schwarzenegger. Tal como na banda desenhada, são os seus feitos que movem a acção e o filme torna-se muito visual, quase sempre apoiando-se na natureza ou nos cenários sumptuosos que o rodeiam para transmitir a sua sede de vingança e a incerteza do seu destino. Cada personagem, cada local parece esconder segredos e ameaças, tão inusitadas para Conan como para o espectador, ainda que nunca de forma tão tenebrosa como no papel. A partir do momento em que vemos uma mulher aliciá-lo com sexo para se transformar numa espécie de demónio vampiresco, pronta para o despedaçar à dentada, fica a sensação de que qualquer coisa pode acontecer.

Dada a sua pouca expressividade e aparente desdém por sentimentalismos, a relação amorosa de Conan com uma ladra, Valeria, poderia não passar de um fait diver supérfluo, mas o entendimento imediato que os dois estabelecem e a sagacidade dela acabam por revelar muito subtilmente um lado menos intenso de Conan, que noutras ocasiões não hesitara a tratar mulheres como pedaços de carne ou a não ter em consideração as opiniões de terceiros. Algo arrojado realmente, este filme, por várias vezes, mostra sem pudor o lado mais selvagem da era Hiboriana, não se coibindo mesmo de incluir uma orgia numa cena importante na busca de Conan. A podridão do culto de Doom é evidente.

O argumento não tem sempre a mesma força, decaindo um pouco nas cenas com o mago narrador, por exemplo, e o filme está algo datado, não parecendo agora tão sombrio ou fantasioso como talvez parecesse quando saiu, mas John Milius e a sua equipa fizeram um óptimo trabalho em termos de efeitos especiais e de utilização do espaço, tão importante na nossa percepção da história e dos protagonistas. A procura de Conan é, acima de tudo, pelo significado da vida num mundo corrompido por superficialidades, depois de lhe ter sido negado tanto durante tanto tempo. Afinal também há filmes de culto dos anos 80 com arquétipos ambulantes no papel de actores com alguma profundidade e qualidade.

7/10

terça-feira, 25 de outubro de 2011

TRAILERS: The Adventures Of Tintin (Steven Spielberg, 2011)

Claro que eu não podia deixar passar em claro o filme do Spielberg! Finalmente, ao fim de tantos anos, uma das personagens de banda desenhada com maior potencial cinemático que há, tem um filme! Guardem-me um lugar na primeira fila.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

True Grit (Ethan Coen, Joel Coen, 2010)

Num pico de popularidade e maturidade desde No Country For Old Men, os irmãos Coen optam por seguir para um remake. A decisão revela-se acertada: True Grit, um conto sobre os intricados caminhos da violência e do destino ambientado no velho oeste americano, serve na perfeição a clareza vitriólica do "two headed director".

Mattie Ross é uma jovem determinada, que pretende vingança pela morte do seu pai. Para o efeito, contrata não o marshal mais eficaz, não o mais justo, mas sim Rooster Cogburn, o mais cruel. Um Jeff Bridges zarolho entra então em cena. Se é verdade que os Coens conseguem sempre trazer ao de cima o ridículo da mais sisuda das histórias, muitas vezes graças a um ímpar sentido de ironia, também é verdade que poucos actores conseguem entender esse humor negro como Bridges, dar-lhe expressão e sentimento. Aqui, a sua presença é intimidante, mesmo quando se deixa levar pelo álcool ou se revela mais vulnerável e a sua relutância em ajudar uma pré-adolescente se transforma em profundo respeito pelas provas de coragem da mesma.

A evolução da relação entre os dois é cativante, ao que também não é alheia a grande interpretação de Hailee Steinfeld. Obstinada e inteligente, a jovem consegue estabelecer uma química impecável com os veteranos que a rodeiam e apesar da evidente maturidade de Mattie, há sempre uma réstia de inocência. Os seus objectivos são louváveis e é impossível não simpatizar com ela, mas está claramente a entrar em águas profundas demais para si.

Impressionante é o realismo e a reconstituição da época. Este filme era talvez inevitável, considerando as inúmeras referências ao western na carreira dos Coens (o narrador cowboy de The Big Lebowski, por exemplo), e o cuidado com que eles abordam o género e o homenageiam ao mesmo tempo é admirável. Eram tempos duros, com homens duros e expressões duras.

A linguagem, aliás, quer seja auditiva quer seja visual, sempre foi uma obsessão de Joel e Ethan. O filme soa à inexorabilidade da lei da bala, com os seus sotaques arcaicos, silêncios contemplativos e tiros ruidosos e aparenta uma rudeza que não deixa de ser evocativa, muito graças ao sempre esclarecido trabalho de cinematografia de Roger Deakins, não havendo um único plano descuidado ou desnecessário.

Simultaneamente, no seu âmago, True Grit acaba por ser também menos desiludido e negativo que trabalhos como Burn After Reading ou A Serious Man, onde todas as relações pessoais parecem condenadas ao fracasso e onde os dogmas e as superficialidades da sociedade moderna parecem sabotar os desejos e objectivos íntimos das personagens principais, quase como se os irmãos apenas conseguissem encontrar justiça e morais em épocas passadas e de menos facilidades.

Austero, cru, directo e memorável, esta é uma obra maior no trajecto de dois dos maiores realizadores da actualidade.

9/10

IMDb 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CITAÇÕES: Love And Death (Woody Allen, 1975)

Boris: If it turns out there is a God, I don't think he's evil. I think the worst you can say about him is that he's basically an underachiever.

TOP5: Fruta

05. Bananas (Woody Allen, 1971)
Uma comédia estapafúrdia de Woody Allen, por isso deliciosa!

04. Pineapple Express (David Gordon Green, 2008)
Uma louca aventura, fora do registo habitual até esta altura de David Gordon Green, mas que se revelou uma agradável mudança de estilo para o realizador, aqui a trabalhar (e muito bem) com antigos actores da mítica série Freaks & Geeks. Peace!

03. The Grapes Of Wrath (John Ford, 1940)
Para muitos o melhor livro Americano, para muitos o melhor filme de John Ford, que, coincidência, é para muitos o melhor realizador Americano. Enfim, reputação e currículo não faltam a The Grapes Of Wrath, e para perceber porquê basta ver a mestria dos primeiros (silenciosos e poéticos) minutos.

02. Wild Strawberries (Ingmar Bergman, 1957)
Ingmar Bergman assina mais um filme sobre a morte, fé e sonhos. Mas também sobre morangos.

01. A Clockwork Orange (Stanley Kubrick, 1971)
Stanley Kubrick cria uma laranja difícil de digerir, ácida até mais não, causadora de muita azia e línguas de fora. Ou seja, um fruto espectacular!

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Loose Change 9/11: An American Coup (Dylan Avery, 2009)

O 9/11 foi provavelmente o acontecimento mundial mais importante após a Segunda Grande Guerra, não só pelo choque e dimensão dos eventos desse dia, mas também pelas consequências sociais e económicas que teve e que se fazem sentir ainda hoje, de tal forma que a incredulidade perante o sucedido tem gerado, desde então, uma miscelânea de teorias de conspiração. Muitas delas rejeitam a explicação oficial de um ataque terrorista massivo e acusam antes o governo americano de ter orquestrado tudo, por vezes de formas infundadas. Loose Change tenta apresentar dados credíveis que possam suportar esse sentimento.

O documentário de Dylan Avery começa e acaba com enquadramento histórico, como um prólogo e um epílogo que indiciam precedentes de ataques sofridos pelos EUA, retaliações falaciosas dos EUA e maquinações internas nos EUA. No meio, investiga-se; os mais inconformados dirão que se procura a verdade, os mais cépticos dirão que se entra em negação. Seja como for, é irresponsável renunciar factos. Avery afirma que o 9/11 foi gerado por "war games", ou seja, simulações militares reais de cenários de guerra, que correram mal ou foram desenhados propositadamente para correrem mal e tem muito por onde pegar.

Onde estavam os jactos do exército que podiam interferir com a trajectória dos 4 aviões? Porque é que o Boeing 757 que chocou contra o Pentágono fez no edifício um buraco do tamanho da minha cozinha? Como é que não foram encontrados destroços do voo 93 em Shanksville, Pensilvânia, algo inédito na história da aviação mundial? Sabiam que 9 dos supostos pilotos suicidas foram encontrados com vida em países árabes ou africanos nos últimos 10 anos? O que aconteceu realmente no WTC 7, o terceiro edifício que ruiu, em queda livre, em Nova Iorque nesse dia?

Há muitas pontas soltas, o que se seguiu foi deplorável e Bush, a sua família e os seus colaboradores mais próximos não têm um currículo que abone em seu favor. Há muita especulação, mas Avery consegue pôr o espectador a pensar. A narração de Daniel Sunjata é grave e cativante. Loose Change não encerra todas as respostas, claro, mas levanta questões importantes, com suposições verosímeis, documentos reveladores e testemunhos paradoxais. Não podemos aceitar tudo o que nos é dito. Ainda em 2004, José Maria Aznar mentia sobre os atentados de Madrid, aqui ao lado, em Espanha. A extensão que os segredos dos EUA, única superpotência mundial, podem ter é inimaginável...

8/10

IMDb

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

My Son, My Son, What Have Ye Done (Werner Herzog, 2009)

É curioso que David Lynch seja o produtor deste filme, pois My Son, My Son, What Have Ye Done está mais próximo da sua filmografia que da de Werner Herzog, o realizador. O que temos aqui é, então, um trabalho muito complicado, por um lado previsível e fanado, por outro lado bizarro e perturbador. Brad McCullum (Michael Shannon) enceta uma viagem ao Peru com amigos (um destino do agrado de Herzog), da qual volta sozinho depois de muito descuido na prática de canoagem. Durante o ano seguinte, o seu comportamento vai-se tornando cada vez mais errático e acaba por incorrer em matricídio. O filme é pouco convincente em mostrar a suposta involução psicológica de Brad, um zombie ambulante com zero de carinho pelos que o rodeiam, excepto pela sua mãe, na presença de quem se torna subserviente e pusilânime, e com zero de interesse em tudo o que faz, excepto numa peça sobre Orestes, na qual tem o papel principal.

É claro que Mrs. McCullum (Grace Zabriskie) o castrou, não fisicamente (presumo) mas mentalmente, criou sozinha o filho num ambiente de co-dependência e infantilidade ao qual Brad parece não querer ou conseguir escapar. Numa cena, depois de a sua noiva, Ingrid (Chloë Sevigny), lhe ter recomendado sair de casa, o jovem sugere mudarem-se os dois para a casa ao lado, ou para a seguinte, ou para a casa em frente. Claro que Ingrid não fica agradada, pois percebe que o deve afastar da influência maternal, mas pouco faz para isso ou para ajudar a curar as feridas que o sucedido no Peru eventualmente terá deixado em Brad. Ele parece sofrer duma apatia enervante (e este tipo de pessoas normalmente não anda a fazer viagens e peças de teatro, só que personagens bem pensadas não é o forte deste argumento), mas talvez não tão danosa quanto a apatia de Ingrid ou do director da peça, Lee (Udo Kier num registo frouxo), por exemplo. Andam com ele dum lado para outro, sempre preferindo ignorar os problemas de Brad a confrontá-lo com eles. Agora apenas têm a Mrs. McCullum talhada e embrulhada num saco de plástico, a SWAT a tentar tirar Brad de casa e café barato na mão, oferecido pelo excessivamente bondoso detective (Willem Dafoe) a quem têm de recontar o passado recente, que vemos em inúmeros flashbacks.

É, no entanto, difícil ver esta trapalhada toda e não ficar um pouco fascinado com alguns dos momentos mais esotéricos que Herzog plantou aleatoriamente. Num deles, Brad e o seu tio Ted estão num bosque coberto por neve a planear um anúncio e um anão deambula por perto. O enquadramento é tal e a estranheza é tanta que não deixa de ser interessante. Noutro ponto, uma câmara portátil digital filma em POV um mercado chinês, seguindo vários idosos, que vão olhando para a lente. Porquê? Não faço a mínima ideia, mas não deixa de ser interessante. São estes detalhes que fazem My Son, My Son, What Have Ye Done parecer mais David Lynch que Werner Herzog e, francamente, são os poucos pontos de relevo desta salgalhada. Sem rumo, sem textura, sem voz, este é um filme bastante intragável e completamente irrelevante.

4/10

IMDb 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Hollywood Ending (Woody Allen, 2002)

Agradar a gregos e troianos, como se costuma dizer, nunca é uma tarefa fácil, especialmente se o ritmo de trabalho for consideravelmente elevado. É o que acontece com Woody Allen, que vem fazendo pelo menos um filme por ano desde 1982, nem sempre recebendo o melhor feedback possível. Depois do problemático The Curse Of The Jade Scorpion, uma period-piece que acabou por ser cara demais e por ter interpretações com sal a menos, veio Hollywood Ending, uma obra mais segura, exactamente sobre um realizador com dificuldades para fazer o que quer e o que lhe compete nas melhores condições.

A carreira de Val atingiu um nadir. Vencedor de vários Óscares, rotulado como muito difícil, está agora a fazer anúncios e sem um bom projecto com que voltar aos seus dias de glória, até que a Galaxy Pictures o convida para pegar num argumento com potencial. É a hipótese de que precisava - o problema é a produtora ser gerida pela ex-mulher (Tea Leoni) e o homem por quem ela o trocou. Como se isso já não fosse suficiente, no dia anterior ao início das filmagens, Val é atingido por cegueira psicossomática, mas como não está em condições de recusar trabalho, esconde-o de quase toda a gente.

Os conflitos que se seguem não o ajudam a relaxar e recuperar, mas o apoio da ex-mulher, de início dado a contra-gosto, acaba por ser fundamental para, no mínimo, ter algo para apresentar, por muito desastroso que seja (e é), já que não consegue dar-se com o director de fotografia, dirigir os seus actores ou ter sexo com uma Tiffani Thiessen muito carente e pouco vestida. Val é, no fundo, mais uma afável caricatura de Woody Allen, hipocondríaco, nervoso e sempre com uma resposta pronta. O conceito do filme é um contra-senso hilariante, uma farsa com mais comédia física do que seria de esperar.

Nota-se alguma amargura relativamente à indústria de um realizador mais apreciado em França do que no seu país, mas não é descurado o final feliz. Hollywood Ending não é uma obra-prima a nível nenhum, sendo até um dos poucos filmes desta fase que não contou com Carlo Di Palma ou Fei Zhao na cinematografia, o que se nota um pouco, mas numa altura em que Woody Allen acusava alguma fadiga depois de projectos menores como Small Time Crooks, por exemplo, Hollywood Ending surge com natural simpatia e escassa pretensão.

7/10 

IMDb 

TOP5: Serial Killer Movies

05. A Nightmare On Elm Street (Wes Craven, 1984)
Um argumento com grande profundidade, muitas vezes subestimado por o filme se ter tornado parte da pop-culture.

04. Psycho (Alfred Hitchcock, 1960)
Hitchcock, pois claro. Um filme ainda capaz de deixar qualquer um colado à cadeira. E haverá cena mais mítica na história do cinema que a do chuveiro? Provavelmente não.

03. Kind Hearts And Coronets (Robert Hamer, 1949)
Um filme com uma classe ímpar.

02. Seven (David Fincher, 1995)
Uma junção de qualidade a todos os níveis, absolutamente memorável.

01. The Silence Of The Lambs (Jonathan Demme, 1991)
Um filme que marcou uma geração, Hannibal Lecter será talvez o serial killer mais conhecido do cinema e este filme em especial mostra porquê. Um marco.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

The Jazz Singer (Alan Crosland, 1927)

Juntar som e imagem revelou-se uma ambição e um desafio desde os primórdios do cinema. Enquanto os filmes-mudos eram um sucesso e povoavam o imaginário cultural das primeiras décadas do séc. XX com Charlie Chaplin, Buster Keaton ou Lillian Gish, inventores independentes e grandes estúdios tentavam já desenvolver processos que permitissem fazê-lo, essencialmente ao nível do som-em-disco, ou seja, ligando um gira-discos ao projector e sincronizando um vinil com as bobines. Nesse contexto, aparece o sistema Vitaphone da Warner Bros., que seria então usado, em 1927, no primeiro filme-sonoro de sempre: The Jazz Singer.

Essencialmente um filme-mudo com números musicais audíveis, The Jazz Singer é primitivo e ainda povoado por intertítulos. Jakie Rabinowitz é filho de um cantor eclesiástico judeu em Nova Iorque, que pretende para Jakie a mesma carreira. Este, no entanto, prefere o jazz. Em conflito com o pai, decide, ainda pré-adolescente, fugir de casa e perseguir os seus sonhos. Anos mais tarde, está transformado em Al Jolson (artista multifacetado famoso da altura escolhido para o papel principal), chama-se Jack Robin, está na iminência de atingir a fama como cantor popular e profere o primeiro diálogo do cinema ao dirigir-se à audiência dum bar para apresentar uma canção, com um "wait a minute, you ain't heard nothing yet!"

De volta a Nova Iorque, visita a sua mãe em casa e, numa cena verdadeiramente emotiva, os dois exibem uma ligação e um entendimento que nem anos de distância conseguiram derrogar. O reencontro com o pai é que não é tão pacífico. O velho deserda-o com facilidade, dizendo mesmo, a certa altura, que já não tem filho. Todavia, arrepende-se rapidamente, o remorso consome-o, a idade avançada não ajuda e ele fica gravemente doente, impossibilitado de cantar para a sua congregação num importante dia do calendário judeu, que coincidirá com a estreia dum espectáculo de Jack. Pressionado pela mãe e por amigos, o jovem vê-se num dilema moral: cantar na Broadway ou cantar na igreja? Seguir o seu caminho ou seguir a tradição de família?

Al Jolson dá o seu melhor em todas as cenas, enche o filme com a sua humildade e simpatia, o seu talento vocal e o seu talento como actor. Há um interesse amoroso, que nunca é consumado e que fica sempre em segundo plano, pois a carreira de Jack é mais importante. Não se esquecem as músicas, os passos de dança e muito menos o cantor em palco, maquilhado como negro, num momento hoje erradamente considerado racista por alguns, que mais não é que uma homenagem à cultura afro-americana, que teve em Jolson, na tela e fora dela, um profundo admirador e aliado. Para além da sua importância histórica, The Jazz Singer é também, e acima de tudo, um óptimo filme, um precursor técnico bem estruturado e com o coração no sítio certo.

8/10

IMDb 

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

The White Ribbon (Michael Haneke, 2009)

O rótulo de autor sempre foi anexado a Michael Haneke com naturalidade, pela forma como consegue sobrepor a sua visão ao processo colectivo de produção. Cada filme reflecte as suas considerações técnicas e temáticas com rispidez, mas percorrendo caminhos diferentes, o que lhes garante uma identidade muito própria. The White Ribbon separa-se logo no início pelo uso inédito do preto e branco e por haver um narrador, o que apenas aconteceu anteriormente em The Castle. Ser-nos-ão relatados os estranhos acontecimentos que precederam o início da Primeira Guerra Mundial numa aldeia alemã e espera-se que, ainda que vagos e episódicos, possam parecer sintomáticos do futuro iminente do país.

As respostas a grandes perguntas nem sempre são claras ou fáceis, como cedo descobre o filho do médico da vila. Na cena inicial, o seu pai sofre uma queda aparatosa de cavalo que dificilmente se pode confundir com um acidente. O menino pergunta então à irmã mais velha o que significa morrer e não gosta do que aprende. A morte é um assunto recorrente, quanto mais não seja pela forma como condiciona a vida do grande leque de cidadãos da vila, vidas de trabalho e fé, e a fé incorre em dualismo, tanto pode ser responsável por actos de bondade como de maldade. A Haneke interessa os factos, as explicações deixa-as para quem se atreve a analisá-los.

Como tal, o que será pior? Acreditar na inocência de uma criança mas constantemente atentar contra ela, como o padre, ou protegê-la mas perceber que pode ser comprometida, como o professor? Esta é uma questão menor, que é explorada quando, depois do que aconteceu com o médico, a incompreensão e o medo se instala à medida que se sucedem actos de vandalismo e violência cada vez mais enigmáticos. As crianças são particularmente vulneráveis, mas todos vivem reprimidos pelas dinâmicas de culpa e castigo que a religião e a sociedade impõem. Qual é o grau de estabilidade que isso acarreta afinal, quando nem a casa e a família são um reduto?

A ambiguidade bate à porta. As crianças são imperscrutáveis e arguciosas mas referidas pelo nome, os adultos são óbvios e tépidos mas referidos pelo estatuto. Apenas o professor parece trazer algum equilíbrio e é provavelmente a personagem mais simpática que Haneke já escreveu. Encontra o amor, as suas intenções são honrosas e os seus modos justos, pelo que não é de estranhar ser ele o narrador, aquele que parece tão interessado em compreender o que testemunhou quanto o espectador. No fim, a História assalta-nos e o contexto torna-se relevante. Deveremos nós viver e estaremos nós a viver no mundo de regras que os adultos sustêm, no mundo de liberalismos que as crianças teriam o direito de projectar ou no mundo intermédio do professor e da sua namorada, Eva?

Haneke aponta em várias direcções, sempre com o máximo de espírito crítico e clareza, aqui aumentada pelos contrastes frios da brilhante cinematografia de Christian Berger. A beleza de alguns planos parece sempre ameaçada pelo silêncio dum filme sem banda sonora ou pela prostração das personagens à violência do dia-a-dia. O padre é presenteado com um pássaro pelo filho mais novo, que o criou para substituir o que havia no escritório do pai. Haneke parece pessimista, mas há esperança. The White Ribbon é, ao mesmo tempo, o seu mais acessível e amplo filme - um triunfo dum cinema económico, não-conformista e paciente que Haneke domina como ninguém.

9/10

IMDb 

TRAILERS: Dream House (Jim Sheridan, 2011)

Apesar de parecer que o trailer revela metade do enredo e de parecer quase um remake de The Amityville Horror, tem talento humano para ser um grande filme!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Nightsongs (Romuald Karmakar, 2004)

Ele passa o dia no sofá a ler e a escrever. Ela passa o dia a andar dum lado para o outro a queixar-se. Eles são casados, têm um bebé e absolutamente mais nada que os una. Baseado numa peça do norueguês Jon Fosse, Nightsongs desenrola-se quase na sua totalidade no apartamento dos jovens. Poucas personagens deslizam pelo ecrã, grandes diálogos e monólogos adejam das colunas - fica a sensação de estar a ver teatro filmado, onde cada passo dum actor foi planeado ao milímetro e cada palavra foi escolhida com excessiva diligência.

Os pais dele prestam uma visita, mas ficam pouco tempo. Parecem rígidos e inadequados. Ele não trabalha e os seus escritos não são publicados. Ela faz tudo e lamenta não ter a vida social de antigamente. Não há mais amor entre este casal, apenas hábito ou até vício, o que o leva a depender da mulher para tudo e a leva a sentir-se forçada a agarrá-lo. Quando ela decide quebrar o marasmo e sair à noite, apenas podem surgir conflitos. O que resta saber é se deles sairão soluções.

Frio e moroso, Nightsongs é servido por realização e iluminação eficazes a transmitir a ideia do vazio total que há nesta casa e nesta relação, numa noite tácita de confronto com a realidade, mas Karmakar não consegue ultrapassar a previsibilidade do argumento, as personagens desinteressantes e o ritmo entediante. Ninguém levanta a voz, ninguém se zanga, apenas sofrem educadamente, mal se ferem com o que dizem. É exasperante. Dar a uma peça espessura suficiente para ser um bom filme é um esforço bem-intencionado mas tantas vezes mal direccionado - aqui está, infelizmente, mais uma prova...

4/10

IMDb 

sábado, 10 de setembro de 2011

NOTÍCIAS: Veneza 2011

Faust, o novo filme do antigo aluno de Tarkovsky, Sokurov, ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza 2011.

Leão de Ouro: Faust, Aleksandr Sokurov
Melhor Realizador: Shangjun Cai por Ren Shan Ren Hai
Melhor Actor: Michael Fassbender por Shame
Melhor Actriz: Deanie Yip por Tao Jie
Melhor Argumento: Yorgos Lanthimos, Efthimis Filippou por Alpis
Melhor Cinematografia: Robbie Ryan por Wuthering Heights

Site do Festival de Veneza

POSTERS: The Shining (Stanley Kubrick, 1980)

The Shining e o maldito triciclo.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

The Secret In Their Eyes (Juan José Campanella, 2009)

2009 deveria ter sido o ano da consagração universal de Michael Haneke. Com The White Ribbon, o realizador austríaco ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e estava nomeado para o Óscar com a mesma designação. Deveria, mas não foi, e The Secret In Their Eyes foi o culpado. Com Juan José Campanella por detrás das câmaras, alguém com a realização de episódios de Dr. House como ponto de maior interesse no currículo, este não pareceria sequer, à partida, um candidato a derrubar o favorito Haneke nos maiores prémios do cinema americano. À partida.

The Secret In Their Eyes é um thriller discreto. Já foram feitos episódios de CSI mais complexos, mais estrondosos ou mais chocantes. Não, a sua essência não passa por ai. O caso é resolvido a meio do filme, as explosões à Hollywood são substituídas por montanhas de burocracia e a única cena susceptível de ferir sensibilidades aparece logo no início e rapidamente. Benjamin Esposito (Ricardo Darin) não esquece o caso Morales. Agente federal retirado, divorciado, decide dedicar-se a escrever um livro sobre o passado que nunca esqueceu.

O filme desdobra-se em duas linhas temporais diferentes. Enquanto no presente Esposito tenta completar o puzzle da sua vida e juntar as peças do caso e da sua amizade com Irene (Soledad Villamil), a sua eterna superior e destinatária do seu amor nunca confessado, mais de 20 anos antes o agente é chamado a investigar a violação e assassínio de uma jovem, Liliana, casada com Morales. Parte da eficácia do filme passa por aqui, no equilíbrio entre o que está para resolver e o que ainda não foi resolvido, mas também no equilíbrio entre a seriedade que a história exige para nos tocar e a descontracção que as personagens precisam para respirar.

Esposito e o seu colega Sandoval esbarram constantemente contra a hipocrisia do sistema, a devoção (primeiro) e a conformação (mais tarde) de Morales e os seus próprios problemas. Apesar do apoio precioso de Irene, parece que nunca conseguem dar ao caso uma conclusão satisfatória. Nem ao caso, nem às suas vidas. Sandoval é um alcoólico inveterado; Esposito é um eterno solitário. A sua química com Irene é inegável, mas não lhe consegue dar seguimento. Os olhos falam e ambos parecem insatisfeitos. Daí a importância do presente. Porque nunca é tarde demais para tentar viver uma vida cheia, para encontrar respostas.

O estilo é moderno e sóbrio e Campanella eleva o seu trabalho a outro patamar numa set-piece central que engloba a captura do suspeito principal do assassínio de Liliana num estádio. Estou a salientar esta cena porque é um dos planos-sequência mais geniais que já vi - começa com um plano aéreo, vemos o jogo a decorrer e as bancadas cheias, a câmara parece fazer um voo picado sobre o relvado e encontrar Esposito na bancada, movendo-se entre os fãs até encontrar quem procura e o perseguir dentro do estádio até o apanhar. Filmado em várias fases, primeiro de helicóptero, depois com gruas e, por fim, com câmaras mais móveis, tem um total de 7 cortes disfarçados em computador para criar o efeito de continuidade final. É uma maravilha da tecnologia.

Perto do fim, Irene e Esposito discutem o dramatismo negativista e lamechas do último capítulo do livro dele. The Secret In Their Eyes não acaba da mesma forma, antes pelo contrário, contido mas com um piscar de olho e um sorriso. É curioso que alguém como Campanella, com um passado tão ligado à televisão, tenha inviabilizado Haneke, um grande crítico da caixa mágica, de receber uma honra tão grande como o Óscar, mas a qualidade de The Secret In Their Eyes é incontornável - uma agradável surpresa.

8/10

IMDb 

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

TOP5: Nova Iorque

05. The Fisher King (Terry Gilliam, 1991)
Um belo conto de Gilliam, de todos os seus filmes é o que tem melhor história, maior coração. O baile em Grand Central Station é inesquecível.

04. The Pawnbroker (Sidney Lumet, 1964)
Um dos filmes americanos mais subestimados de sempre. Sempre atrás de um Rod Steiger electrizante, mostra partes de Nova Iorque que raramente aparecem no grande ecrã.

03. 25th Hour (Spike Lee, 2002)
Spike Lee filma Nova Iorque com amor, na ressaca do 11 de Setembro.

02. Manhattan (Woody Allen, 1979)
Um local que se confunde com a própria cidade. Woody Allen em grande (e a preto e branco).

01. Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976)
Inesquecível, o retrato duma Nova Iorque imensa e infernal, Robert DeNiro e Martin Scorsese juntam forças num filme mítico.